RENÉ GUÉNON
O ERRO
ESPÍRITA
APRESENTAÇÃO
O original desta obra, com o mesmo título de L’Erreur Spirite, surgiu no ano de 1923,
sendo o terceiro livro lançado por René Guénon. Apesar da distância no tempo, o
tema é de grande atualidade, pois aquilo que o autor denuncia neste livro
continua na ordem do dia, tendo mesmo aumentado, e muito, nos oitenta anos
passados desde então. Particularmente no Brasil, onde, segundo estatísticas,
existem cerca de dois milhões de espíritas declarados, além de um número
possivelmente bem maior de simpatizantes, as teorias espíritas ganharam muito
terreno, mesclando-se por outro lado com todo o leque de doutrinas
“neo-espiritualistas” cuja invasão parece não ter fim. Assim, ouvimos falar em
reencarnação a todo momento, e não é preciso ser espírita para tanto; mesmo
pessoas que se dizem católicas dão como certa esta teoria, sem perceberem a
flagrante contradição com tudo o que a própria Igreja ensina; isso, para não
falar naqueles em quem a religião foi substituída por um vago sentimento de
religiosidade, disposto a acolher qualquer idéia que tenha a aparência de
“espiritualidade”, seja lá o que se entenda por isto.
Os fatos e os autores mencionados em L‘Erreur Spirite podem parecer
desatualizados, mas o kardecismo, que data ainda do século XIX, é ensinado nos
meios espíritas como uma verdade inconteste e atemporal; o famoso médium
Francisco Cândido Xavier, recentemente falecido, confidenciou antes de morrer
ser ele próprio a reencarnação de Allan Kardec. Ademais, os fenômenos relatados
continuam a ser cultivados nas sessões espíritas, e os perigos que les representam
estão mais presentes do que nunca.
Nossa tradução pretende, assim, ser uma contribuição
à difusão da obra guenoniana, e servir de amparo àqueles que intentam reagir às
idéias espíritas, mas acham-se desarmados de argumentos verdadeiramente sólidos
para opor eficazmente, nem que seja em seu foro interno. Pedimos desculpas
pelas falhas do texto, e por não estarmos habituados ao jargão espírita, o que
pode causar estranheza em alguns dos termos empregados. Não pretendemos
polemizar com ninguém, mesmo porque, no campo dos argumentos de ordem
sentimental e empírica que são normalmente utilizados na defesa das bandeiras
espíritas, nenhum diálogo sério é realmente possível. Deixemos, portanto, René
Guénon conduzir a discussão, que será sem dúvida muito mais proveitosa em sua
pena, do que na nossa.
INTRODUÇÃO
Ao abordar a questão do espiritismo, devemos dizer antes
de mais nada, tão claramente quanto possível, com que espírito queremos
tratá-la. Muitas obras já foram consagradas a esta questão, e, nos últimos
tempos, tem sido mais numerosas do que nunca; entretanto, não pensamos que já
se tenha dito tudo o que havia sobre o assunto, nem que o presente trabalho vá
repetir algum outro. Não nos propomos, aliás, a fazer uma exposição completa do
objeto sob todos os seus aspectos, o que nos obrigaria e reproduzir muitas
coisas que se pode encontrar mais facilmente em outras obras, o que seria assim
uma tarefa tão grande quanto inútil. Preferimos nos limitar aos pontos que até
aqui foram insuficientemente tratados; assim, começaremos por dissipar as
confusões e os enganos que constatamos tantas vezes nesta ordem de idéias, e em
seguida mostraremos os erros que formam o fundo da doutrina espírita, se é que
se pode chamar aquilo de doutrina.
Achamos que seria difícil e pouco interessante
tratar a questão, em seu conjunto, do ponto de vista histórico; de fato,
pode-se fazer a história de uma seita bem definida, que forme um todo
claramente organizado, ou que possua ao menos uma certa coesão; mas não é assim
que o espiritismo se apresenta. É preciso salientar que os espíritas foram,
desde a origem, divididos em muitas escolas, que por sua vez se multiplicaram,
e que eles constituíram inumeráveis agrupamentos independentes e às vezes
rivais entre si; ainda que fosse possível escrever a lista completa de todas
estas escolas e de todos estes agrupamentos, a fastidiosa monotonia de uma tal
enumeração não seria compensada pelo proveito que se pudesse tirar dela. E é
preciso ainda acrescentar que, para declarar-se espírita, não é indispensável
pertencer a uma associação qualquer: basta admitir certas teorias, que se fazem
acompanhar em geral das práticas correspondentes; muitas pessoas podem praticar
o espiritismo isoladamente, ou em pequenos grupos, sem se ligar a nenhuma
organização, e este é um elemento com o qual o historiador não consegue lidar.
Nisto, o espiritismo se comporta ao contrário do teosofismo e da maior parte
das escolas ocultistas; este ponto está longe de ser o mais importante dentre
todos os que o distinguem destes, mas ele é a conseqüência de outras diferenças
menos exteriores, sobre as quais teremos ainda ocasião de nos explicar. Isto
basta para compreender porque só introduziremos considerações históricas quando
elas permitirem esclarecer nossa exposição, sem no entanto dedicar-lhes uma
parte especial.
Um outro ponto que não pretendemos tratar de maneira
completa é o exame dos fenômenos que os espíritas evocam para apoiar suas
teorias, e que outros, mesmo admitindo igualmente sua realidade, interpretam de
forma completamente diferente. Diremos apenas o bastante para indicar o que
pensamos a respeito, mas as descrições mais ou menos detalhadas destes
fenômenos já foram tão debatidas pelos experimentadores que seria supérfluo
voltar a elas; de resto, não é isto o que nos interessa mais, e preferimos, a
propósito, assinalar a possibilidade de certas explicações que estes
experimentadores, espíritas ou não, nem sequer suspeitam. Sem dúvida, é preciso
lembrar que, no espiritismo, as teorias nunca são separadas da experimentação,
e não o faremos aqui; mas o que sustentamos, é que os fenômenos só fornecem uma
base puramente ilusória às teorias espíritas, e que, sem estas últimas, não se
tratará mais de espiritismo. De resto, isto não nos impedirá de reconhecer que,
fosse o espiritismo puramente teórico, ele seria muito menos perigoso e
atrairia muito menos gente; e se insistimos sobre este perigo, é porque ele
constitui o motivo mais premente que nos levou a escrever este livro.
Já dissemos antes o quanto é nefasta, em nossa
opinião, a expansão destas muitas teorias que surgiram de um século para cá, e
que podemos designar, de modo geral, pelo nome de “neo-espiritualismo”.
Certamente existem, em nossa época, muitas outras “contra-verdades” que se deve
combater igualmente; mas aquelas tem um caráter especial, que as tornam mais
daninhas, e em todo caso de outra maneira, do que as que se apresentam sob uma
forma simplesmente filosófica ou científica. Tudo isto, com efeito, representa
mais ou menos a “pseudo-religião”; esta expressão, que aplicamos ao teosofismo,
podemos também aplicar ao espiritismo; embora este último manifeste
freqüentemente pretensões científicas em razão do lado experimental onde ele
quer encontrar, não apenas a base, mas a própria fonte de sua doutrina, ele não
passa de um desvio do espírito religioso, conforme a esta mentalidade
“científica” da maior parte dos nossos contemporâneos. Ademais, dentre todas as
teorias “neo-espiritualistas, o espiritismo é certamente a mais difundida e a
mais popular, o que é fácil de compreender, pois ele é a forma mais “simplista”,
diríamos mesmo a mais grosseira: ele está ao alcance de todas as inteligências,
por medíocres que sejam, e os fenômenos sobre os quais se apóia, ou ao menos os
mais comuns dentre estes, podem também ser facilmente obtidos por qualquer um.
É portanto o espiritismo que faz o maior número de vítimas, e suas investidas
cresceram nos últimos anos, chegando a proporções inauditas, devido à confusão que
os eventos recentes lançaram sobre os espíritos. Quando falamos aqui de
investidas e de vítimas, não se trata de simples metáforas: todas as coisas
deste gênero, e o espiritismo mais do que todas, tem por resultado
desequilibrar e prejudicar irremediavelmente uma multidão de infelizes que, se
não o tivessem encontrado em seus caminhos, teriam seguido vivendo uma vida
normal. Está aí um perigo que não se deve negligenciar, e que, sobretudo nas
atuais circunstâncias, é necessário e oportuno denunciar com insistência; e
estas considerações vem para nós, reforçar a preocupação, de ordem mais geral,
de salvaguardar os direitos da verdade contra todas as formas de erro.
Devemos acrescentar que nossa intenção não é de nos
limitarmos a uma crítica puramente negativa: é preciso que a crítica,
justificada pelas razões que expusemos, seja a oportunidade para expor ao mesmo
tempo certas verdades. Mesmo que, sobre muitos pontos, tivermos que nos
restringir a indicações sumárias para permanecermos dentro dos limites que nos
impusemos, achamos que será possível com isto entrever muitas questões
ignoradas, susceptíveis de abrir novas linhas de pesquisa para quem souber
apreciar seu alcance. Devemos ademais prevenir que nosso ponto de vista é muito
diferente, sob muitos aspectos, do de outros autores que falaram do
espiritismo, para combatê-lo ou defendê-lo: nós nos inspiramos sempre nos dados
da metafísica pura, tal como nos trazem as doutrinas orientais; achamos que só
assim se pode refutar plenamente alguns erros, e não se colocando em seu
próprio terreno. Sabemos bem também que, do ponto de vista filosófico, assim
como do científico, pode-se discutir indefinidamente sem se avançar nada, e que
prestar-se a essas controvérsias significa no mais das vezes fazer o jogo do adversário,
por pouca habilidade que tenha este em desviar a discussão. Estamos persuadidos
da necessidade de uma direção doutrinal da qual nunca nos devemos afastar, e
que somente ela nos permite tocar em certos pontos impunemente; e, por outro
lado, como não queremos fechar a porta a nenhuma possibilidade, e só nos
levantarmos contra o que sabemos ser falso, esta direção, para nós, só pode ser
de ordem metafísica, no sentido em que já a definimos antes. É claro que uma
obra como esta não pode ser vista como propriamente de metafísica em todas as
suas partes; mas não duvidamos em afirmar que há, em sua inspiração, mais de
metafísica verdadeira do que em tudo a que os filósofos modernos dão este nome.
E que ninguém se espante com esta declaração: a metafísica verdadeira a que
aludimos não tem nada em comum com as sutilezas da filosofia, nem com as
confusões que esta cria e entretém, e ademais, o presente estudo, em seu
conjunto, não terá nada do rigor de uma exposição puramente doutrinal. O que
queremos dizer, é que somos guiados por princípios que, para quem os
compreende, são de uma certeza absoluta, e sem os quais se corre o risco de
perder-se nos tenebrosos labirintos do “mundo inferior”, do que muitos
exploradores temerários, malgrado seus títulos científicos e filosóficos, nos
deram o triste exemplo.
Tudo isto não significa que desprezamos os esforços
daqueles que se colocaram de pontos de vista diferentes do nosso; ao contrário,
achamos que todos estes pontos de vista, na medida em que sejam legítimos e válidos,
só podem harmonizar-se e se completar. Mas existem distinções a fazer e uma
hierarquia a observar: um ponto de vista particular só vale dentro de um certo
domínio, e é preciso verificar além de que ponto ele não é mais aplicável; é o
que tantas vezes esquecem os especialistas das ciências experimentais. Por
outro lado, os que se colocam do ponto de vista religioso tem a grande vantagem
de uma direção doutrinal como a de que falamos, mas que, em razão da forma de
que se reveste, não é universalmente aceitável, e que de resto chega para
impedi-los de se perder, mas não consegue fornecer soluções adequadas a todas
as questões. Seja como for, em presença dos eventos atuais, pensamos que nunca
será demais opor um esforço a certas atividades nocivas, e que todo esforço
neste sentido, desde que bem dirigido, terá sua utilidade, sendo talvez melhor
que um outro para esclarecer tal ou tal ponto determinado; e, para falar uma
linguagem que alguns compreenderão, diremos ainda que não haverá jamais luz
suficiente para dissipar todas as emanações do “Satélite sombrio”.
PRIMEIRA
PARTE
Distinções e precisões necessárias
I
DEFINIÇÃO DO
ESPIRITISMO
Uma vez que nos propomos a, antes de mais nada,
distinguir o espiritismo das diversas outras coisas que se confundem com ele, e
que no entanto são bastante diferentes, é indispensável começar por defini-lo
com precisão. À primeira vista, parece que se pode dizer: o espiritismo
consiste essencialmente em admitir a possibilidade de comunicar com os mortos;
é isto que o constitui propriamente,
sobre isto todas as escolas espíritas estão igualmente de acordo,
quaisquer que sejam suas divergências teóricas sobre outros pontos mais ou menos
importantes, que elas sempre vêem como secundários em relação a este. Mas isto
não é o bastante: o postulado fundamental do espiritismo, é que a comunicação
com os mortos é, não apenas uma possibilidade, mas um fato; se o admitimos
puramente a título de possibilidade, não seremos espíritas por isso. É verdade
que, neste último caso, ficamos impossibilitados de refutar de maneira absoluta
a doutrina dos espíritas, o que já é grave; como mostraremos a seguir, a
comunicação com os mortos, tal como a entendem eles, é um impossibilidade pura
e simples, e somente assim pode-se cortar pela raiz suas pretensões de um modo
completo e definitivo. Fora desta atitude, não poderia haver senão compromissos
mais ou menos escusos, e quando se inicia a via das concessões e acomodações, é
difícil saber aonde se vai parar. Temos a prova disto no que sucedeu com
alguns, sobretudo teosofistas e ocultistas, que protestam energicamente – e com
razão, aliás – se os tratamos de espíritas, mas que, por razões diversas,
admitem que a comunicação com os mortos pode realmente ocorrer em casos mais ou
menos raros e excepcionais. Reconhecer isto corresponde em suma a admitir aos
espíritas a verdade de sua hipótese; mas estes não se contentam com pouco, e o
que eles pretendem, é que esta comunicação se produz de maneira corrente de
certa forma, em todas as suas sessões, e não apenas uma vez em cem ou em mil.
Assim, para os espíritas, basta colocar-se sob certas condições para que se
estabeleça a comunicação, que eles vêem, não como um fato extraordinário, mas
como um fato normal e habitual; está aí uma precisão que devemos incluir na
própria definição do espiritismo.
Existe ainda uma outra coisa: até aqui, falamos de
comunicação com os mortos de modo bastante vago; mas agora, cabe apontar que,
para os espíritas, esta comunicação se dá por meios materiais. Eis aí um
elemento que é essencial para distinguir o espiritismo de certas outras
concepções, nas quais se admitem apenas comunicações mentais, intuitivas, uma
espécie de inspiração; os espíritas também o admitem, sem dúvida, mas não é a
estas que eles atribuem maior importância. Discutiremos este ponto mais tarde,
e podemos dizer que a verdadeira inspiração, que estamos longe de negar, tem
na realidade uma outra fonte bem
diferente; mas estas concepções são certamente menos grosseiras do que as do
espiritismo, e as objeções a que elas dão lugar são de ordem bem diversa.
Aquilo que vemos como propriamente espírita, é a idéia que os “espíritos” agem
sobre a matéria, que eles produzem fenômenos físicos, como deslocamento de objetos,
pancadas e outros ruídos variáveis, e assim por diante; lembramos aqui apenas
os exemplos mais simples e mais comuns, que são também os mais característicos.
De resto, convém acrescentar que esta ação sobre a matéria supõe-se que seja
exercida, não diretamente, mas por intermédio de um ser humano vivo, possuidor
de certas faculdades especiais, e que, em razão deste papel de intermediário, é
chamado de “médium”. É difícil definir exatamente a natureza do poder
“mediúnico” ou “medianímico”, e as opiniões a respeito variam; parece que ele é
visto mais comumente como sendo de ordem fisiológica, ou , se se preferir,
psico-fisiológica. Lembremos desde já que a introdução deste intermediário não
suprime as dificuldades: à primeira vista, não parece mais fácil a um
“espírito” agir imediatamente sobre o organismo de um ser vivo do que sobre um
corpo inanimado qualquer; mas aqui intervém algumas considerações mais
complexas.
Os “espíritos”, apesar da denominação que lhes é
dada, não são vistos como seres puramente imateriais; pretende-se ao contrário
que eles sejam revestidos de uma espécie de invólucro, que, apesar de ser
demasiado sutil para ser normalmente percebido pelos sentidos, nem por isso
deixa de ser um organismo material, um verdadeiro corpo, que é designado pelo
nome algo bárbaro de “perispírito”. Se é assim, podemos nos perguntar porque
este organismo não permite aos “espíritos” agir sobre não importa que matéria,
e porque lhes é necessário recorrer a um médium; isto, para falar a verdade,
soa pouco lógico; ou por outro lado, se o “perispírito” é por si só
incapaz de agir sobre a matéria
sensível, o mesmo deve ocorrer com o elemento correspondente que existe no
médium ou em qualquer outro ser vivo, e então este elemento de nada servirá na
produção dos fenômenos que se tenta explicar. Naturalmente, nós nos contentamos
em assinalar de passagem estas dificuldades, que cabe aos espíritas solucionar;
seria sem interesse seguir uma discussão sobre estes pontos particulares,
porque existe mais a ser dito contra o espiritismo; e, para nós, não é deste
modo que a questão deve ser colocada. Entretanto, achamos útil insistir um
pouco sobre a maneira pela qual os espíritas encaram a constituição do ser
humano, dizendo em seguida, para afastar qualquer equívoco, o que reprovamos
nesta concepção.
Os Ocidentais modernos tem o hábito de conceber o
composto humano sob uma forma tão simplificada e reduzida quanto possível,
fazendo-o consistir em não mais do que dois elementos, dos quais um é o corpo e
o outro, algo chamado indiferentemente de alma ou de espírito; dizemos os
Ocidentais modernos porque, na verdade, esta doutrina dualista só se implantou
definitivamente após Descartes. Não podemos aqui fazer a história, mesmo
sucinta, desta questão; diremos apenas que, antes disso, a idéia que se fazia
da alma e do corpo não comportava esta completa oposição de natureza que torna
sua união verdadeiramente inexplicável, e também que haviam, mesmo no Ocidente,
concepções menos “simplistas”, e mais próximas das concepções orientais, para
quem o ser humano é um conjunto bastante mais complexo. Com mais razão ainda,
estava-se longe de sonhar com este último degrau de simplificação que são as
teorias materialistas, mais recentes ainda, segundo as quais o homem não é nem
mais um composto, por se reduzir a um único elemento, o corpo. Dentre as
concepções antigas a que aludimos, encontraremos muitas, sem nem precisar
voltar à antigüidade e ficando só pela idade média, que viam no homem três
elementos, distinguindo a alma do espírito; existe de resto uma certa flutuação
no emprego destes dois termos, mas a alma é no mais das vezes o elemento médio,
ao qual corresponde em parte àquilo que alguns modernos chamaram de “princípio
vital”, e assim somente o espírito é o ser verdadeiro, permanente e
imperecível. É esta concepção ternária que os ocultistas, ou ao menos a maior
parte deles, quiseram renovar, introduzindo aí aliás toda uma terminologia
especial; mas eles não compreenderam seu verdadeiro sentido, e retiraram-lhe
todo alcance pela maneira fantasista como representaram os elementos do ser
humano: assim, eles fizeram do elemento médio um corpo, o “corpo astral”, que
se parece singularmente com o “perispírito” dos espíritas. Todas as teorias
deste gênero tem o defeito de não passarem no fundo de formas de transposições
das concepções materialistas; este “neo-espiritualismo” nos parece um
materialismo expandido, e mesmo esta expansão tem bastante de ilusório. Aquilo
no que essas teorias mais erram, e seria preciso descobrir a origem deste erro,
é nas concepções “vitalistas”, que reduzem o elemento médio do composto humano
apenas ao papel de “princípio vital”, e que ainda parecem fazê-lo apenas para
explicar que o espírito possa mover o corpo, problema insolúvel para a hipótese
cartesiana. O vitalismo, por colocar mal a questão, e porque, sendo uma
hipótese de fisiologistas, coloca-se de um ponto de vista muito particular, dá
lugar a uma objeção das mais simples: ou se admite, como Descartes, que a
natureza do espírito e a do corpo não tem o menor ponto de contato, e então não
é possível que entre eles haja algum intermediário ou meio termo; ou se admite
ao contrário, como os antigos, que eles tem uma certa afinidade de naturezas, e
então este intermediário se torna inútil, pois esta afinidade basta para
explicar que um possa agir sobre o outro. Esta objeção vale contra o vitalismo,
e também contra as concepções “neo-espiritualistas”, na medida em que adotam
este ponto de vista; mas, bem entendido, ela não vale contra concepções que
encaram as coisas sob outros aspectos, muito anteriores ao dualismo cartesiano,
e portanto totalmente estranhas às preocupações criadas por este, e que vêem o
homem como um ser complexo para corresponder tão exatamente quanto possível à
realidade, não para dar uma solução hipotética a um problema artificial.
Pode-se, de resto, conforme o ponto de vista, estabelecer para o ser humano um
número maior ou menor de divisões e subdivisões, sem que estas concepções
deixem por isso de serem conciliáveis; o essencial é que não se corte este ser
humano em duas metades que parecem não ter nenhuma relação entre si, e que não
se tente depois reunir estas duas metades por um terceiro termo cuja natureza,
nestas condições, não é nem mesmo concebível.
Podemos agora voltar à concepção espírita, que é
ternária, porque ela distingue o espírito, o “perispírito” e o corpo; em um
sentido, ela pode parecer superior às dos filósofos modernos, na medida em que
ela admite um elemento a mais, mas esta superioridade é só aparente, pois o
modo como este elemento é visto não corresponde à realidade. Voltaremos a isto
mais adiante, mas existe um outro ponto para o qual, sem que possamos tratá-lo
completamente agora, devemos desde já chamar a atenção: se a teoria espírita já
é bastante inexata no que diz respeito à constituição do homem durante a vida,
ela é inteiramente falsa quando se trata do estado deste homem após a morte.
Tocamos aqui o fundo da questão, que queremos reservar para mais tarde; mas
podemos, em duas palavras, dizer que o erro consiste sobretudo no seguinte:
segundo o espiritismo, nada mudaria com a morte, senão pela desaparição do
corpo, ou por sua separação dos dois outros elementos, que permanecem unidos um
ao outro como antes; em outros termos, o morto só difere do vivo por ter um elemento
a menos, que é o corpo. Compreende-se sem dificuldade que esta concepção seja
necessária para que se possa admitir a comunicação entre os mortos e os vivos,
e também que a permanência do “perispírito”, elemento material, seja não menos necessária para que
esta comunicação possa acontecer por meios igualmente materiais; existe, entre
estes diversos pontos da teoria, um certo encadeamento; mas o que não se
entende tão bem, é que a presença de um médium constitua, aos olhos dos
espíritas, uma condição indispensável para a produção dos fenômenos. Não vemos
porque, repetimos, admitida a hipótese espírita, um “espírito” agiria
diferentemente por meio de um outro “perispírito” do que através do seu
próprio; ou por outra, se a morte modifica o “perispírito” de modo a lhe tirar
algumas possibilidades de ação, a comunicação parece ficar bem comprometida.
Seja como for, os espíritas insistem tanto sobre o papel do médium e lhe
atribuem tão grande importância, que podemos dizer sem exagero que eles fazem
disto um dos pontos fundamentais de sua doutrina.
Não contestamos absolutamente a realidade das
chamadas faculdades “mediúnicas”, e nossa crítica só se dirige à interpretação
que lhes dão os espíritas; de resto, experimentadores que nada tem de espíritas
não vêem inconveniente em empregar o termo “mediunidade”, simplesmente para se
fazer compreender conformando-se com os hábitos estabelecidos, ainda que esta
palavra já não tenha sua razão de ser primitiva; faremos também o mesmo. Por
outro lado, quando dizemos não compreender bem o papel do médium, queremos
dizer que é colocando-nos do ponto de vista dos espíritas que não o
compreendemos, ao menos fora de certos casos determinados; sem dúvida, se um
“espírito” quer cumprir certas ações particulares, se ele quer falar por
exemplo, ele só poderá fazê-lo apoiando-se nos órgãos de um homem vivo; mas não
é mais a mesma coisa quando o médium empresta ao “espírito” uma certa força
mais ou menos difícil de definir, e à qual se deram denominações variadas:
força nêurica, ódica, ectênica, e outras mais. Para escapar às objeções que
levantamos precedentemente, é preciso admitir que esta força não faz parte
integrante do “perispírito”, e que, só existindo no ser vivo, ela seja antes de
natureza fisiológica; nada temos a contradizer, mas o “perispírito”, se é que
há algum, deve servir-se desta força para agir sobre a matéria sensível, e
então podemos nos perguntar qual é a sua utilidade, sem contar que a introdução
deste novo elemento intermediário está longe de simplificar a questão. Enfim,
parece que é preciso, ou distinguir essencialmente o “perispírito” e a força
nêurica, ou negar pura e simplesmente o primeiro para conservar só a segunda,
ou renunciar a qualquer explicação inteligível. Além disso, se a força nêurica
basta para dar conta de tudo, o que concorda melhor do que qualquer outra
suposição com a teoria mediúnica, a existência do “perispírito” aparece como
uma hipótese gratuita; mas nenhum espírita aceitará esta conclusão, tanto mais
que, na falta de qualquer outra consideração, ela já torna bem duvidosa a
intervenção dos mortos nos fenômenos, que parece ser possível de ser explicada
simplesmente por certas propriedades mais ou menos excepcionais do ser vivo. De
resto, no dizer dos espíritas, estas propriedades não tem nada de anormal: elas
existem em todos os seres humanos, ao menos em estado latente; o que é raro, é
que elas atinjam um grau suficiente para produzir fenômenos evidentes, e os
médiuns propriamente ditos são os indivíduos que se acham neste último caso, sejam
suas faculdades desenvolvidas espontaneamente ou pelo efeito de um treinamento
especial; mas mesma essa raridade é relativa.
Agora, há um último ponto sobre o qual julgamos útil
insistir: quando se fala em “comunicação com os mortos”, emprega-se uma expressão
cuja ambigüidade não é notada pela maioria das pessoas, espíritas ou não: se
entramos realmente em comunicação com alguma coisa, que é exatamente a sua
natureza? Para os espíritas, a resposta é extremamente simples: aquilo com o
que se comunica, é o que eles chamam impropriamente de “espíritos” (dizemos
impropriamente por causa da suposta presença do “perispírito”); um tal
“espírito” é identicamente o mesmo indivíduo humano que viveu anteriormente
sobre a terra, e, agora que ele está “desencarnado”, ou seja despojado de seu
corpo visível e tangível, ele permaneceu exatamente tal como era durante a sua
vida terrestre, ou melhor, tal como ele seria se esta vida tivesse continuado;
é, numa palavra, o homem verdadeiro que “sobrevive” e que se manifesta nos
fenômenos do espiritismo. Mas nós espantaríamos muito os espíritas, e sem
dúvida também a maior parte dos seus adversários, dizendo que a própria
simplicidade desta resposta nada tem de satisfatório; quanto àqueles que
compreenderam o que dissemos sobre a constituição do ser humano e de sua
complexidade, compreenderão também a correlação que existe entre as duas
questões. A pretensão de comunicar com os mortos no sentido que dissemos é algo
de muito novo, e é ela que dá ao espiritismo um caráter especificamente
moderno; em outros casos, quando se falava em comunicar com os mortos, era de
modo bem diferente que se entendia isto; sabemos que isto parece extraordinário
para a maioria dos nossos contemporâneos, mas é assim. Explicaremos esta
afirmação a seguir, mas quisemos formulá-la antes de avançar mais, primeiro
porque, sem isto, a definição do espiritismo ficaria vaga e incompleta, ainda
que nem todos se dessem conta, e também por ser sobretudo a ignorância desta
questão que faz tomar-se o espiritismo por outra coisa que não a doutrina de
invenção totalmente recente que ele é na realidade.
II
AS ORIGENS DO
ESPIRITISMO
O espiritismo data exatamente de 1848; é importante
fixar esta data, porque diversas particularidades das teorias espíritas
refletem a mentalidade especial de sua época de origem, e porque é de
preferência nos períodos conturbados, como foi aquele, que coisas deste gênero
nascem e se desenvolvem, graças ao desequilíbrio dos espíritos. As
circunstâncias que cercaram os inícios do espiritismo são bastante conhecidas e
já foram relatadas muitas vezes; bastará a nós lembrá-las brevemente, apenas
insistindo em alguns pontos que são particularmente instrutivos, e que são
talvez os menos lembrados.
Sabemos que foi nos Estados Unidos da América que o
espiritismo, como muitos outros movimentos análogos, teve seu ponto de partida;
os primeiros fenômenos produziram-se em Dezembro de 1847 em Hydesville, estado
de Nova Yorque, numa casa aonde acabara de se instalar a família Fox, que era
de origem alemã e cujo nome primitivo era Voss. Se mencionamos esta origem
alemã é porque, se quisermos um dia estabelecer completamente as causas reais
do movimento espírita, não se deve esquecer de dirigir algumas pesquisas do
lado da Alemanha; diremos porque logo mais. Parece também, aliás, que a família
Fox não desempenhou, ao menos no começo, senão um papel involuntário, e que,
mesmo na seqüência, seus membros foram apenas os instrumentos passivos de uma
força qualquer, como o são todos os médiuns. Seja como for, os fenômenos em
questão, que consistiam em ruídos diversos e em deslocamentos de objetos, não
tinham em suma nada de inusitado; eles eram semelhantes aos que se observavam
desde sempre nas chamadas “casas mal-assombradas”; o que houve de novo, foi o
partido que se tirou disto ulteriormente. Ao fim de alguns meses, alguém teve a
idéia de fazer ao misterioso fazedor de ruídos algumas questões que ele
respondeu corretamente: para começar, só lhe foram perguntados números, que ele
indicava por séries de golpes regulares; foi um Quaker chamado Isaac Post que
lembrou de nomear as letras do alfabeto convidando o “espírito” a designar com
um golpe aquelas que compunham as palavras que ele queria dizer, e que inventou
assim o modo de comunicação que se chamou spiritual
telegraph. O “espírito” declarou que ele era um certo Charles B. Rosna, que
quando vivo fora ladrão, que foi assassinado nesta casa e enterrado no celeiro,
aonde de fato foram encontrados os restos de uma ossada. Por outro lado,
notou-se que os fenômenos se produziam sobretudo na presença das meninas Fox, e
foi daí que resultou a descoberta da mediunidade; dentre os visitantes que
acorriam em número cada vez maior, alguns acreditaram, com ou sem razão, serem
dotados do mesmo poder. Desde então, o modern
spiritualism, como foi chamado inicialmente, estava fundado; sua primeira
denominação foi em suma a mais exata, mas, sem dúvida para abreviar, chegou-se,
nos países anglo-saxões, ao emprego mais freqüente de spiritualism sem epíteto; quanto ao nome “espiritismo”, ele foi
inventado na França um pouco mais tarde.
Logo constituíram-se reuniões ou spiritual circles, em que novos médiuns
revelaram-se em grande número; segundo as “comunicações” ou “mensagens”
recebidas, este movimento espírita, tendo por objetivo o estabelecimento de
relações regulares entre os habitantes dos dois mundos, havia sido preparado
por “espíritos” científicos e filosóficos que, durante sua existência
terrestre, haviam se ocupado particularmente de pesquisas sobre a eletricidade
e sobre diversos outros fluídos imponderáveis. À frente destes “espíritos”
achava-se Benjamin Franklin, a quem se atribuía haver dado muitas indicações
sobre a maneira de desenvolver e aperfeiçoar as vias de comunicação entre os
vivos e os mortos. Desde os primeiros tempos, de fato, esforçou-se em
encontrar, com a ajuda dos “espíritos”, meios mais cômodos e rápidos: daí as
tábuas giratórias e tamborilantes , depois os quadros alfabéticos, os lápis
amarrados a cestos ou a pranchetas móveis, e outros instrumentos análogos. O
emprego do nome de Benjamin Franklin, além de ser natural num ambiente
norte-americano, é bem característico de algumas tendências que viriam a se
afirmar no espiritismo; ele próprio estava de graça nesta história, mas os
aderentes do novo movimento não poderiam fazer melhor do que se colocar sob o
patronímico deste “moralista” da mais inacreditável ingenuidade. E, a este
respeito, convém fazer uma outra reflexão: os espíritas conservaram alguma
coisa de certas teorias que tiveram curso pelo do fim do século XVIII, época em
que havia a mania de se falar em “fluídos” a propósito de tudo; a hipótese do
“fluído elétrico”, hoje abandonada, serviu de modelo para muitas outras
concepções, e o “fluído” dos espíritas parece-se tanto com o dos magnetizadores,
que o mesmerismo, por afastado que esteja do espiritismo, pode ser visto como
um de seus precursores e como tendo contribuído numa certa medida para preparar
a sua aparição.
A família Fox, que a esta altura considerava-se
especialmente encarregada da missão de espalhar o conhecimento dos fenômenos
“espiritualistas”, foi expulsa da Igreja episcopal metodista a que pertencia.
Na seqüência, ela foi se estabelecer em Rochester, aonde os fenômenos
continuaram, e onde logo ganharam a hostilidade da maior parte da população;
houve mesmo um verdadeiro tumulto, em que os Fox quase foram massacrados,
devendo sua salvação à intervenção de um Quaker chamado George Willets. É a
segunda vez que vemos um Quaker desempenhar um papel nessa história, e isto se
explica sem dúvida pelas afinidades que esta seita apresenta incontestavelmente
com o espiritismo: não fazemos apenas alusão às tendências “humanitárias”, mas
também à estranha “inspiração” que se manifesta nas assembléias dos Quakers, e
que se anuncia pelo tremor ao qual eles devem seu nome; existe aí qualquer
coisa que lembra singularmente certos fenômenos mediúnicos, embora a
interpretação seja naturalmente diferente. Em todo caso, entende-se que a
existência de uma seita como a dos Quakers possa ter contribuído para facilitar
a aceitação das primeiras manifestações “espiritualistas” (1); talvez tenha
ocorrido uma relação semelhante, no século XVIII, entre as façanhas dos
convulsionários jansenistas e o sucesso do “magnetismo animal” (2).
O essencial do que antecede foi emprestado do relato de um
autor norte-americano, relato que todos os demais contentaram-se em reproduzir
mais ou menos fielmente; ora, é curioso que este autor, que se tornou o
historiador dos inícios do modern
spiritualism (3) seja Emma Hardinge-Britten, que era membro da sociedade
secreta designada pelas letras “H.B. of L.” (Hermetic Brotherood of Luxor), de que já falamos a propósito das
origens da Sociedade Teosófica. Dizemos que este fato é curioso, porque a H.B.
of L., apesar de ser claramente oposta às teorias do espiritismo, parece ter
estado envolvida de modo bastante direto nas origens deste movimento. De fato,
segundo os ensinamentos da H.B. of L., os primeiros fenômenos espíritas foram
provocados, não pelos “espíritos” dos mortos, mas por homens vivos agindo à
distância, por meios conhecidos somente por alguns poucos iniciados; e estes
iniciados seriam, precisamente, os membros do “círculo interior” da H.B. of L.
Infelizmente, é difícil chegar, na história desta associação, antes de 1870, ou
seja o mesmo ano em que Hardinge-Britten publica o livro de que falamos (e no
qual não há nenhuma menção àquilo que mencionamos por último); deste modo,
alguns afirmaram que, apesar de suas pretensões a uma grande antigüidade, ela
dataria, realmente, da mesma época. Mas, se isto é verdade, é apenas em relação
à forma com que a H.B. of L. revestiu-se por último; em todo caso, ela recolheu
a herança de diversas outras organizações, as quais existiam certamente antes
da metade do século XIX, como a “Fraternidade de Eulis”, que era dirigida, ao
menos exteriormente, por Paschal Beverly Randolph, personagem bastante
enigmático falecido em 1875. No fundo, pouco importam o nome ou a forma da
organização que teria realmente entrado nos eventos que lembramos; e devemos
dizer que a tese da H.B. of L., em si mesma e independentemente destas
contingências, nos parece no mínimo muito plausível; tentaremos explicar as
razões.
De fato, não nos parece importuno formular aqui algumas
observações gerais sobre as “casas mal-assombradas” ou sobre aquilo que alguns
chamam de “lugares fatídicos”; fatos deste gênero estão longe de ser raros, e
são conhecidos de longa data; encontramos exemplos disso na antigüidade, tanto
quanto na idade média e nos tempos modernos, como prova o que é reportado numa
carta de Plínio o Moço. Ora, os fenômenos que se produzem nesses casos
apresentam algumas constantes: eles podem ser mais ou menos intensos, mais ou
menos complexos, mas eles possuem certos traços característicos que se
encontram sempre e em toda parte; de resto, os fatos de Hydesville não devem
ser contados entre os mais significativos, pois lá só se constataram os mais
elementares destes fenômenos. Convém distinguir ao menos dois casos principais:
no primeiro, que seria o de Hydesville se a história é exata, trata-se de um
lugar em que alguém sofreu uma morte violenta, e onde, além disso, o corpo da
vítima permaneceu escondido. Se indicamos a reunião destas duas condições, é
porque, para os antigos, a produção dos fenômenos estava ligada ao fato da
vítima não ter recebido uma sepultura regular, acompanhada de certos ritos, e
apenas cumprindo-se estes ritos após a descoberta do corpo se poderia fazê-los
cessar; é o que vemos na carta de Plínio o Moço, e há aí alguma coisa que
merece a atenção. A este propósito, seria importante determinar exatamente o
que seriam os “manes” para os antigos, e o que estes entendiam por diversos
outros termos que não eram sinônimos, embora modernamente não se os diferencie
mais; pesquisas nesta direção poderiam esclarecer em muito a questão das
invocações, sobre que voltaremos mais adiante. No segundo caso, não se trata
mais das manifestações de um morto, ou antes, para permanecermos na indefinição
que convém manter até segunda ordem, de alguma coisa que provém de um morto, e
que é captada sob a ação de um homem vivo; existem, nos tempos modernos, alguns
exemplos típicos, que foram cuidadosamente constatados em todos os seus
detalhes, e aquele que é mais citado, e que se tornou uma espécie de clássico,
constitui-se dos fatos que se produziram com o presbítero de Cideville, na
Normandia, de 1849 a 1851, ou seja na ocasião dos acontecimentos de Hydesville,
mas quando estes eram ainda desconhecidos na França (4). Trata-se de fatos de
“feitiçaria” bem caracterizados, que em nada devem interessar aos espíritas,
salvo por parecerem fornecer uma confirmação à teoria da mediunidade entendida
num sentido amplo: é preciso que o feiticeiro que quer vingar-se dos habitantes
de uma casa chegue a influenciar um deles, que se tornará a partir de então seu
instrumento inconsciente e involuntário, e que servirá por assim dizer de
“suporte” para uma ação que poderá inclusive ser exercida à distância, mas
apenas quando este sujeito “passivo” estiver presente. Não se trata de um médium
no sentido em que entendem os espíritas, pois a ação da qual ele é o meio
não tem a mesma origem, mas é algo
análogo, e podemos supor, sem maiores precisões, que a mesma ordem de forças
seja posta em jogo nos dois casos; é o que pretendem os ocultistas contemporâneos
que estudaram estes casos, e que, é preciso lembrar, foram todos mais ou menos
influenciados pela teoria espírita. Com efeito, depois do surgimento do
espiritismo, cada vez que uma casa mal-assombrada é encontrada em qualquer
lugar, começa-se, em virtude de uma idéia pré-concebida, por procurar-se o
médium e, com um pouco de boa vontade, termina-se sempre por encontrar um ou
mesmo vários; não dizemos que isto esteja sempre errado, mas existem muitos
exemplos de lugares inteiramente desertos, de casas abandonadas, onde fenômenos
de assombração se produzem na ausência de
qualquer ser humano, e onde não se pode pretender que testemunhas acidentais,
que muitas vezes só os observaram de longe, tenham desempenhado o papel de
médiuns. É pouco verossímil que as leis segundo as quais agem certas forças,
quaisquer que sejam elas, tenham mudado; afirmaremos, portanto, contra os
ocultistas, que a presença de um médium não seja sempre uma condição
necessária, e que é preciso, aqui como sempre, defender-se dos pré-julgamentos
que podem falsificar o resultado de uma observação. Acrescentaremos que a
assombração sem médium pertence ao primeiro dos dois casos que distinguimos: um
feiticeiro não teria nenhuma razão para ligar-se a um lugar inabitado, e de
resto pode ser que ele tenha necessidade, para agir, de condições que não são
requeridas para os fenômenos que se produzem espontaneamente, mesmo quando
estes fenômenos apresentem aparência similar. No primeiro caso, que é a
verdadeira assombração, a produção dos fenômenos está ligada ao próprio local
que foi palco de um crime ou de um acidente, e onde certas forças foram
condensadas de maneira permanente; é portanto sobre o lugar que os observadores
deveriam sempre colocar a atenção; agora, que a ação das forças em questão seja
às vezes intensificada pela presença de pessoas dotadas de certas propriedades,
isto nada tem de impossível, e é talvez assim que as coisas tenham se passado
em Hydesville, admitindo sempre que os fatos tenham sido reportados
corretamente, do que não temos motivo para duvidar.
No caso que parece ser explicado por “alguma coisa” que
não definimos, e que provém de um morto, mas que certamente não é seu espírito,
se por espírito entendemos a parte superior do ser, deve esta explicação
excluir toda possibilidade de intervenção de homens vivos? Não o cremos, e não
vemos porque uma força pré-existente não poderia ser dirigida e utilizada por
certos homens que conhecessem suas leis; ao contrário, isto parece mais fácil
do que agir aonde nenhuma força tenha existido anteriormente, o que entretanto
qualquer feiticeiro é capaz de fazer. Naturalmente, podemos supor que “adeptos”
(para usar um termo rosa-cruz cujo emprego é cada vez mais usual), ou iniciados
de alto grau, tenham meios de ação superiores aos dos feiticeiros, e aliás bem
diferentes, assim como os objetivos a que se propõem; a propósito, convém
lembrar que existem iniciados de diferentes tipos, mas no momento vamos tratar
as coisas de forma bem genérica. No estranho discurso pronunciado em 1898
diante de uma assembléia de espíritas, e que citamos longamente em nossa
história do teosofismo (5), Annie Besant pretendeu que os “adeptos” que teriam
provocado o movimento tivessem se servido das “almas dos mortos”; como ela se
propunha a tentar uma aproximação com os espíritas, ela tomou, com maior ou
menor sinceridade, esta expressão de “almas dos mortos” no sentido em que eles
a entendem; mas nós, que não temos problemas “políticos”, achamos que ela deve
ser entendida de outro modo, como designando aquela “alguma coisa” de que
falamos. Parece que esta interpretação concorda melhor do que a outra com a
tese da H.B. of L.; certamente, não é isto o mais importante, mas esta
constatação nos faz pensar que os seus membros, ou ao menos seus dirigentes, sabiam
bem do que falavam; em todo caso, sabiam muito mais do que Annie Besant, cuja
tese, apesar da correção que ela fez, não era melhor aceita pelos espíritas.
Achamos, aliás, que é um exagero, dentro das circunstâncias, fazer intervir
“adeptos” no sentido estrito do termo; mas repetimos que é possível que
iniciados, quaisquer que fossem, tenham provocado os fenômenos de Hydesville,
servindo-se de condições favoráveis que ali encontraram, ou que eles tenham ao
menos imprimido uma certa direção a estes fenômenos depois que estes haviam
começado a se produzir. Não afirmamos nada a respeito, apenas dizemos que a
coisa é possível, pensem alguns o que quiserem; acrescentaremos ainda que
existe mais uma hipótese que parece mais simples, o que não quer dizer que seja
mais verdadeira: é que os agentes da organização em questão, seja a H.B. of L.
ou outra, tenham aproveitado a ocasião que se passava para criar o movimento
“espiritualista”, agindo por uma espécie de sugestão sobre os habitantes e os
visitantes de Hydesville. Esta última hipótese representa um mínimo de
intervenção, e devemos aceitar pelo menos este mínimo, pois, sem isto, não
haveria nenhuma razão plausível para que os fatos de Hydesville tenham tido
conseqüências que não tiveram fatos análogos ocorridos anteriormente; se um tal
fato fosse, por si só, condição suficiente para o nascimento do espiritismo,
este teria certamente aparecido desde uma época muito mais recuada. De resto,
não acreditamos em movimentos espontâneos, seja na ordem política, seja na religiosa,
ou neste domínio bastante mal definido de que nos ocupamos agora; é preciso
sempre um impulso, ainda que as pessoas que se tornam em seguida os chefes
aparentes do movimento possam ignorar sua proveniência tanto quanto os outros;
mas é bem difícil dizer como as coisas possam ter se passado num caso como
este, pois é evidente que este lado dos acontecimentos não se acha consignado
em nenhum processo verbal, e é por isso que os historiadores que pretendem a
todo custo apoiar-se apenas em documentos escritos não o levam em conta e
preferem negá-lo pura e simplesmente, quando na verdade aí está o que há de
mais essencial. Esta últimas reflexões tem, para nós, um alcance geral;
ficaremos por aqui, para não nos lançarmos numa longa digressão, e voltaremos
sem mais às origens do espiritismo.
Dissemos que houveram casos similares ao de Hydesville, e
mais antigos; o mais parecido de todos foi o que se passou em 1762 em
Dibbelsdorf, na Saxônia, onde o “espectro batedor” respondia exatamente do
mesmo modo às perguntas que lhe eram feitas (5); se, portanto, não tivesse
faltado alguma coisa, o espiritismo poderia muito bem ter nascido nesta
circunstância, tanto mais que os eventos tiveram repercussão suficiente para
chamar a atenção das autoridades e dos sábios da época. Por outro lado, alguns
anos antes do início do espiritismo, o Dr. Kerner havia publicado um livro
sobre o caso da “vidente de Prevorst”, Sra. Hauffe, em torno de quem se
produziram numerosos fenômenos da mesma ordem; lembraremos que esse caso, como
o precedente, teve lugar na Alemanha, e, embora tenha havido outros na França e
algures, é uma das razões pelas quais notamos a origem alemã da família Fox. É
interessante, a propósito, indicar outras aproximações: na segunda metade do
século XVIII, alguns ramos da Maçonaria alemã ocuparam-se particularmente de
invocações: a história mais conhecida nesse domínio é a de Schroepfer, que
suicidou-se em 1774. Não se tratava de espiritismo então, mas de magia, o que
extremamente diferente, como explicaremos a seguir; mas não é menos verdade que
práticas desse gênero, se vulgarizadas, teriam podido deflagrar um movimento
tal como o espiritismo, pelas falsas idéias que o grande público teria
inevitavelmente formado a respeito. Existiram certamente também na Alemanha,
após o início do século XIX, outras sociedades secretas que não tinham caráter
maçônico, e que se ocupavam igualmente da magia e de evocações, ao mesmo tempo
que de magnetismo; ora, a H.B. of L., ou aquilo de que ela foi sucessora,
esteve precisamente em contato com algumas destas organizações. Sobre este
último ponto, podemos encontrar indicações numa obra anônima intitulada Ghostland (6), que foi publicada sob os
auspícios da H.B. of L., e que alguns atribuíram à Sra. Hardinge-Britten; de
nossa parte, não cremos que ela tenha sido a autora, mas é ao menos provável
que ela a tenha editado (7). Achamos que seria interessante dirigir algumas
pesquisas para este lado, cujos resultados poderiam ser importantes para
dissipar algumas obscuridades; se entretanto o movimento espírita não foi
suscitado inicialmente na Alemanha, mas na América, é porque ele deveria
encontrar aí um meio mais favorável que em qualquer outro lugar, como o prova
aliás a prodigiosa eclosão de seitas e escolas “neo-espiritualistas” que surgiu então, e que continua hoje com mais
força ainda.
Resta-nos colocar aqui uma última questão: que objetivos
teriam os inspiradores do modern
spiritualism nos seus começos? Parece que o próprio nome dado ao movimento
o diz de modo bastante claro: tratar-se-ia de lutar contra a invasão do
materialismo, que nesta época atingia sua maior extensão, e ao qual se
pretendia assim opor uma espécie de contrapeso; e, ao chamar a atenção para
fenômenos para os quais o materialismo – ao menos o materialismo ordinário –
era incapaz de fornecer uma explicação satisfatória, este seria combatido em
seu próprio terreno (o que só faria sentido na época moderna, pois o
materialismo propriamente dito é de origem recente, assim como o estado de
espírito que atribui aos fenômenos e à sua observação uma importância quase
exclusiva). Se a finalidade foi esta que definimos, referindo-nos aliás às
afirmações da H.B. of L., é agora o momento de lembrar o que dissemos de
passagem mais acima, que existem iniciados de tipos bem diferentes, e que podem
se achar muitas vezes em oposição entre si; assim, dentre as sociedades
secretas alemãs a que fizemos alusão, existem algumas que professam ao
contrário teorias absolutamente materialistas, ainda que de um materialismo
singularmente mais extenso que o da ciência oficial. Bem entendido, quando
falamos de iniciados como agora, não tomamos esse termo na sua acepção mais
elevada, mas queremos simplesmente designar com isto homens que possuem certos
conhecimentos que não são de domínio público; é por isso que tivemos o cuidado
de precisar que seria um erro supor que “adeptos” pudessem ter estado
interessados, ao menos diretamente, na criação do movimento espírita. Esta
ressalva permite explicar que existem contradições e oposições entre escolas
diferentes; falamos somente de escolas que possuem conhecimentos reais e
sérios, embora de ordem relativamente inferior, e que não lembram em nada as
múltiplas formas do “neo-espiritualismo”; estas últimas seriam mais
contrafações daquelas. Agora, uma outra questão de apresenta ainda: suscitar o
espiritismo pata lutar contra o materialismo, equivale em suma a combater um
erro com outro erro; porque então agir assim? É possível, a bem dizer, que o
movimento tenha prontamente se desviado ao ampliar-se e popularizar-se, que ele
tenha escapado ao controle de seus inspiradores, e que o espiritismo tenha
tomado desde logo um caráter que não correspondia às suas intenções; quando se
pretende fazer obras de vulgarização, deve-se esperar acidentes desse tipo, que
são quase inevitáveis, pois existem coisas que não se coloca impunemente ao
alcance de qualquer um, e esta vulgarização arrisca a ter conseqüências que é
quase impossível prever; e, no caso presente, ainda que os promotores tivessem
previsto estas conseqüências numa certa medida,
eles podem ter pensado, com ou sem razão, que seria este um mal menor em
comparação com o que se tentava impedir. Não cremos, de nossa parte, que o
espiritismo seja menos pernicioso de que o materialismo, ainda que seus perigos
sejam diferentes; mas outros poderão julgar as coisas de outro modo, e estimar
que a coexistência de dois erros opostos, limitando-se por assim dizer
mutuamente, seja preferível à livre expansão de um destes erros. É possível
mesmo que correntes de idéias, completamente divergentes, tenham tido uma
origem análoga, e tenham sido destinadas a servir a uma espécie de jogo de
equilíbrio que caracteriza uma política muito particular; nesta ordem de
coisas, é um erro ater-se às aparências exteriores. Enfim, se uma ação pública
de certo alcance só pode efetivar-se em detrimento da verdade, algumas pessoas
aderem com facilidade, com muita facilidade mesmo; é conhecido o adágio: vulgus vult decipi, que às vezes se
completa: ergo decipiatur; e este é
mais um traço, mais freqüente do que se imagina, desta política a que fizemos
alusão. Pode-se assim guardar a verdade para si e ao mesmo tempo espalhar erros
que se sabe serem erros, mas que se julga oportunos; acrescentemos que pode aí
haver ainda uma outra atitude, que consiste em dizer a verdade àqueles que são
capazes de a compreender, sem se preocupar como os demais; estas atitudes
contrárias podem ter ambas suas justificativas, segundo o caso, e é provável
que apenas a primeira permita uma ação mais geral; mas este é um resultado pelo
qual nem todos se interessam, e a segunda responde a preocupações de ordem mais
puramente intelectual. Seja como for, nós não entramos no mérito da coisa, mas
apenas exprimimos, a título de possibilidades, as conclusões a que conduzem certas
deduções que não podemos expor inteiramente aqui; isto nos levaria muito longe,
e o espiritismo só aparece aí como um incidente bastante secundário. De resto,
não pretendemos absolutamente resolver todas as questões que levantamos aqui;
mas podemos afirmar que, sobre o assunto que tratamos neste capítulo, dissemos
certamente bem mais do que tudo o que foi escrito a respeito até agora.
NOTAS
1. Por uma curiosa
coincidência, o fundador da seita dos Quakers, no século XVII, chamava-se
George Fox; pretendia-se que ele e alguns de seus discípulos imediatos tivessem
o poder de curar os doentes.
2. Para explicar o caso dos
convulsionários, Allan Kardec faz intervir, ao invés do magnetismo, “espíritos
de natureza pouco elevada” (O Livro dos
Espíritos, pgs. 210-212).
3.
History of modern american spiritualism.
4. Os fatos de Cideville foram
reportados já em 1853 por Eudes de Mirville, que foi testemunha ocular, num
livro intitulado Des esprits et de leurs
manifestations fluidiques, onde se encontram indicações sobre muitos fatos
análogos, e ao qual seguiram-se cinco volumes tratando do mesmo tipo de
questões.
5. Uma relação deste fato,
conforme documentos de época, foi publicado na Revue Spirite de 1858.
6. Esta obra foi traduzida para
o francês, mal e parcialmente, sob o título: Au Pays des Esprits, que é equívoco e não dá o sentido real do
título inglês.
7. Outros acreditaram que o
autor de Ghostland e de Art Magic fosse o mesmo de Light of Egypt, de Celestial Dynamics e de Language
of the Stars (Sédir, Histoire des
Rose-Croix, pg. 122); mas podemos afirmar que há aí um erro: o autor das
três últimas obras, igualmente anônimas, foi T.H. Burgoyne, que foi secretário
da H.B. of L.; as duas primeiras são muito anteriores.
III
INÍCIO DO
ESPIRITISMO NA FRANÇA
A partir de 1850, o modern
spiritualism espalha-se por toda parte nos Estados Unidos, graças a uma
propaganda na qual, note-se, os jornais socialistas empenharam-se
particularmente; e, em 1852, os “espiritualistas” fizeram em Cleveland seu
primeiro congresso geral. É também em 1852 que a nova crença faz sua aparição
na Europa: ela foi primeiro importada pela Inglaterra através de médiuns
americanos; daí, no ano seguinte, ela chegou à Alemanha, e depois à França.
Entretanto, não houve nestes países nada comparável à agitação causada na
América, onde, sobretudo durante uma dezena de anos, fenômenos e teorias foram
objeto de discussões violentas e apaixonadas.
Foi na França, como dissemos, que pela primeira vez
empregou-se a denominação de “espiritismo”; e esta nova palavra serviu para
designar alguma coisa que, ainda que baseando-se nos mesmos fenômenos, era
efetivamente muito diferente, quanto às teorias, daquilo que havia sido até
então o modern spiritualism dos
americanos e ingleses. Já se observou muitas vezes, com efeito, que as teorias
expostas nas “comunicações” ditadas pelos pretensos “espíritos” estão em geral
relacionadas com as opiniões do meio em que são produzidas, e onde,
naturalmente, elas são aceitas rapidamente; esta observação permite entender,
ao menos em parte, sua origem real. Os ensinamentos dos “espíritos”, na França,
estavam assim em desacordo sobre muitos pontos com o que se dizia nos países
anglo-saxões, pontos que, mesmo não sendo daqueles que colocamos na definição
geral do espiritismo, nem por isso tinham menos importância; o que fez a maior
diferença foi a introdução da idéia de reencarnação, da qual os espíritas
franceses fizeram um verdadeiro dogma, enquanto que os demais recusaram-se
quase todos a admitir. Acrescentemos aliás que foi sobretudo na França que
sentiu-se a necessidade, quase desde o começo, de juntar as “comunicações”
obtidas, de modo a formar com elas um corpo de doutrina; é o que fez com que
houvesse uma escola espírita francesa possuidora de uma certa unidade, ao menos
na origem, pois esta unidade era evidentemente difícil de manter, e
produziram-se logo diversas cisões que deram nascimento a outras tantas escolas
novas.
O fundador da escola espírita francesa, ou ao menos aquele
que seus aderentes concordam em ver como tal, foi Hippolyte Rivail: era um
velho instrutor de Lyon, discípulo do pedagogo suíço Pestalozzi, que havia
abandonado o ensino para ir a Paris, onde durante algum tempo dirigiu o teatro
de Folie-Marigny. Sob o aconselhamento dos “espíritos”, Rivail tomou o nome celta
de Allan Kardec, que se supunha tivesse sido o seu em uma existência anterior;
é sob este nome que ele publicou as diversas obras que foram, para os espíritas
franceses, o próprio fundamento de sua doutrina, e que assim permaneceram para
a maior parte deles (1). Dissemos que Rivail publicou suas obras, mas não que
ele as tivesse escrito sozinho; de fato, sua redação, e por conseguinte a
fundação do espiritismo francês, foram na realidade obra de todo um grupo, do
qual ele não era em suma mais do que o porta-voz. Os livros de Allan Kardec são
uma espécie de obra coletiva, o produto de uma colaboração; e, com isto,
entendemos outra coisa do que a colaboração dos “espíritos” proclamada por
Allan Kardec, que declarou haver composto seus livros com a ajuda de “comunicações”
que ele e outros teriam recebido, e que ele teria feito controlar, rever e
corrigir por “espíritos superiores”. De fato, para os espíritas, como o homem
muda muito pouco após a morte, não se pode confiar em tudo o que dizem os
“espíritos”: existem alguns que podem nos enganar, seja por malícia, seja por
simples ignorância, e é assim que se pretende explicar as “comunicações”
contraditórias; podemos assim nos perguntar como os “espíritos superiores”
podem ser distinguidos dos outros. Seja como for, existe uma opinião que é
muito difundida, mesmo entre os espíritas, e que é inteiramente errônea: é
aquela segundo a qual Allan Kardec teria escrito seus livros sob uma espécie de
inspiração; a verdade é que ele jamais foi médium, sendo ao contrário um
magnetizador (dizemos ao contrário porque essas duas qualidades parecem ser
incompatíveis), e que foi através de seus “voluntários”
que ele obtinha as “comunicações”.
Quanto aos “espíritos superiores” pelos quais estas teriam sido
corrigidas e coordenadas, nem todos eram “desencarnados”; o próprio Rivail não
foi estranho a esse trabalho, mas parece não ter tomado grande parte nele;
achamos que a organização dos “documentos de além-túmulo”, como se dizia, deve
ser atribuída sobretudo aos diversos membros do grupo que se formou ao redor
dele. Mas é provável que a maior parte dentre estes, por razões diversas,
tenham preferido que esta colaboração ficasse ignorada pelo grande público; e
aliás, se se soubesse que havia ali escritores profissionais, isto poderia
causar dúvidas sobre a autenticidade das “comunicações”, ou ao menos sobre a
exatidão com que foram reproduzidas, embora seu estilo, de resto, estivesse
longe de ser notável.
Achamos interessante reportar aqui, sobre Allan Kardec e o
modo como foi composta sua doutrina, aquilo que foi escrito pelo famoso médium
inglês Dunglas Home, que se mostrou muitas vezes mais sensato do que outros
espíritas: “Eu classifico a doutrina de Allan Kardec dentre as ilusões deste
mundo, e tenho boas razões para isso... Eu não coloco em dúvida absolutamente
sua boa fé... Sua sinceridade projetava-se, nuvem magnética, sobre o espírito
sensitivo daqueles que ele chamava seus médiuns. Os dedos destes confiavam ao
papel as idéias que se impunham forçosamente a eles, e Allan Kardec recebia
suas próprias doutrinas como mensagens enviadas do mundo dos espíritos. Se os
ensinamentos fornecidos deste modo emanassem realmente de grandes inteligências
que, segundo ele, eram seus autores, teriam eles tomado a forma com que os
vemos? Onde então Jâmblico aprendeu tão bem o francês moderno? Teria Pitágoras
podido esquecer completamente o grego, sua língua natal?... Eu jamais encontrei
um único caso de clarividência magnética em que o voluntário
não refletisse direta ou indiretamente as idéias do magnetizador. Isto é
demonstrado de maneira contundente pelo próprio Allan Kardec. Sob o império da
sua vontade enérgica, seus médiuns eram máquinas de escrever, que reproduziam
servilmente seus próprios pensamentos. Se às vezes as doutrinas publicadas não
estavam conformes aos seus desejos, ele as corrigia ao
seu arbítrio. Sabemos que Allan Kardec não era médium. Ele não fazia
senão magnetizar ou “psicologisar” (com o perdão do neologismo) pessoas mais
impressionáveis do que ele” (2). Isto tudo é exato, salvo que a correção dos
“ensinamentos” não deve ser atribuída apenas a Allan Kardec, mas ao seu grupo
todo; e, ademais, o teor mesmo das “comunicações” poderia já ter sido
influenciado por outras pessoas que assistiam às sessões, como explicaremos adiante.
Dentre os colaboradores de Allan Kardec que não eram
simples “voluntários”, alguns eram dotados de
faculdades mediúnicas diversas; havia um, em particular, que possuía um curioso
talento como “médium desenhista”. Encontramos a respeito, num artigo que
apareceu em 1859, dois anos antes da publicação do Livro dos Espíritos, uma
passagem que acreditamos interessante reproduzir, dada a personalidade de quem
se trata: “Alguns meses atrás, cerca de quinze pessoas pertencentes à sociedade
polida e instruída, algumas até com certo renome na literatura, estavam
reunidas num salão do bairro Saint-Germain para contemplar os desenhos a pena
executados por um médium presente à sessão, mas inspirados e ditados por...
Bernard Palissy. É como eu digo: o senhor S..., uma pena na mão, uma folha de
papel em branco diante de si, mas sem idéia de nenhum tema de arte, havia
evocado o famoso oleiro. Este chegara e havia imprimido a seus dedos a
seqüência de movimentos necessários para executar sobre o papel desenhos de
estranho gosto, de grande riqueza de ornamentação, de execução fina e delicada,
dos quais um representa, se se quiser, a casa habitada por Mozart no planeta
Júpiter! É preciso acrescentar, para prevenir toda estupefação, que Palissy
casualmente é vizinho de Mozart neste lugar retirado, conforme ele indicou
positivamente ao médium. Não é duvidoso, aliás, que esta casa seja de um grande
músico, pois ela é toda decorada com claves e colcheias... Os outros desenhos
representavam igualmente construções erguidas em diversos planetas; uma delas é
do avô do senhor S... Este pensa em reunir tudo em um álbum; será literalmente
um álbum do outro mundo...” (3). Este “senhor S...”, que, fora de suas
singulares produções artísticas, foi um dos colaboradores mais constantes de Allan
Kardec, não é outro que o célebre dramaturgo Victorien Sardou. Ao mesmo grupo
pertencia um outro autor dramático, mais conhecido hoje em dia, Eugène Nus; mas
este, em seguida, separou-se do espiritismo numa certa medida (4), e foi um dos
primeiros aderentes franceses da Sociedade Teosófica. Mencionaremos ainda,
tanto mais que ele é provavelmente um dos últimos sobreviventes da primeira
organização intitulada “Société Parisienne d’Études Spirites”, Camille
Flammarion; é verdade que ele só chegou mais tarde, e era muito jovem então;
mas é difícil contestar que os espíritas o viam como um dos seus, pois, em
1869, ele pronunciou um discurso louvando Allan Kardec. Entretanto, Flammarion
às vezes protestou dizendo não ser espírita, mas de modo um pouco embaraçado;
suas obras não deixam de mostrar claramente suas tendências e suas simpatias; a
falamos aqui de suas obras em geral, e não apenas daquelas que ele consagrou
especialmente ao estudo dos fenômenos ditos “psíquicos”; estas últimas
consistem sobretudo em coleções de observações, onde o autor, malgrado suas
pretensões “científicas”, introduziu muitos elementos que não foram seriamente
controlados. Acrescentemos que seu espiritismo, confesso ou não, não impediu
Flammarion de ser nomeado membro honorário da Sociedade Teosófica quando esta
foi introduzida na França (5).
Se existe nos meios espíritas um certo elemento
“intelectual”, mesmo uma minoria, podemos nos perguntar como é possível que os
livros espíritas, a começar pelos de Allan Kardec, sejam manifestamente de
tão baixo nível. Convém lembrar, a
respeito, que toda obra coletiva reflete sobretudo a mentalidade dos elementos
mais inferiores do grupo que a produziu; por estranho que pareça, esta é uma
observação que é familiar a todos os que estudaram um pouco a “psicologia das
massas”; e é sem dúvida esta uma das razões pelas quais as pretensas
“revelações de além-túmulo” geralmente não passam de um tecido de banalidades,
porque são efetivamente, na maior parte dos casos, uma obra coletiva, e, como
elas são a base de todo o resto, esse caráter deve naturalmente se encontrar em
todas as produções espíritas. Ademais, os “intelectuais” do espiritismo são
sobretudo literatos; podemos notar aqui o exemplo de Victor Hugo, que, durante
sua estada em Jersey, foi convertido ao espiritismo pela Sra. de Girardin (6);
entre os literatos, o sentimento costuma predominar sobre a inteligência, e o
espiritismo é acima de tudo uma coisa sentimental. Quanto aos sábios que, tendo
abordado o estudo dos fenômenos sem idéias pré-concebidas, foram levados, de
uma maneira mais ou menos distorcida e dissimulada, a adotar o ponto de vista
dos espíritas (e não falamos de Flammarion, que é antes um vulgarizador, mas de
sábios que gozam de uma reputação mais série e melhor estabelecida), teremos
ocasião de voltar ao caso; mas podemos dizer desde já que, em razão de sua
especialização, a competência desses sábios se acha limitada a um domínio
restrito, e que, fora deste domínio, sua opinião vale tanto quanto a de
qualquer um; e de resto a intelectualidade propriamente dita tem pouca relação
com as qualidade requeridas para obter sucesso nas ciências experimentais,
assim como os modernos as concebem e praticam.
Mas voltemos às origens do espiritismo francês: podemos
verificar aí aquilo que afirmamos precedentemente, que as “comunicações” estão
em harmonia com as opiniões do meio. Com efeito, o meio onde principalmente
foram recrutados os primeiros aderentes da nova crença, foi o dos socialistas
de 1848; sabemos que estes eram, na maior parte, “místicos” no pior sentido da
palavra, ou , se se preferir, “pseudomísticos”; era portanto natural que eles
aderissem ao espiritismo, antes mesmo que a doutrina tivesse sido elaborada, e,
como eles participaram desta elaboração, eles encontraram aí em seguida não
menos naturalmente suas próprias idéias, refletidas por estes verdadeiros
“espelhos psíquicos” que são os médiuns. Rivail, que pertencia à Maçonaria,
pode aí freqüentar muitos chefes de escolas socialistas, e provavelmente leu as
obras daqueles que não conheceu pessoalmente; daí veio a maior parte das idéias
que foram expressas por ele e seu grupo, e notadamente, como já dissemos, a
idéia de reencarnação; já assinalamos, a respeito, a influência decisiva de
Fourier e de Pierre Leroux (7). Alguns contemporâneos não deixaram de fazer
esta relação, e dentre eles o Dr. Dechambre, no artigo que mencionamos mais
acima; a propósito do modo como os espíritas vêem a hierarquia dos seres
superiores, e após lembrar as idéias dos neo-platônicos (que estavam bem mais
distantes disto do que ele crê), ele acrescenta o seguinte: “Os instrutores
visíveis de Allan Kardec não teriam necessidade de conversar pelos ares com o
espírito de Porfírio para saber tanto dele; eles só precisavam estar alguns
instantes com Pierre Leroux, mais fácil de ser encontrado, ou ainda com Fourier
(8). O inventor do Falanstério ficaria honrado de lhes ensinar que nossa alma
revestirá corpos mais e mais etéreos à medida em que atravessar as oitocentas
existências (em números redondos) a que está destinada”. Falando a seguir da
concepção “progressista”, ou como se diria hoje, “evolucionista”, à qual a
idéia de reencarnação está estreitamente ligada, o mesmo autor diz ainda: “Este
dogma lembra muito o de Pierre Leroux, para quem as manifestações da vida
universal, às quais ele liga a vida do indivíduo, não passam, a cada
existência, de mais uma etapa na direção do progresso” (9). Esta concepção
tinha uma tal importância para Allan Kardec, que ele a havia exprimido numa
frase que se tornou sua divisa: “Nascer, morrer, renascer e progredir sem
cessar, esta é a lei”. Seria fácil encontrar muitas outras similaridades em
pontos secundários; mas não se trata, por enquanto, de seguir um exame
detalhado das teorias espíritas, e o que dissemos basta para mostrar que, se o
movimento “espiritualista” norte-americano foi na realidade provocado por
homens vivos, foi a espíritos igualmente
“encarnados” que devemos a constituição da doutrina espírita francesa,
diretamente no caso de Allan Kardec e de seus colaboradores, e indiretamente
quanto às influências mais ou menos “filosóficas” que se exerceram sobre eles;
mas, desta vez, os que intervieram não eram iniciados, nem mesmo de uma ordem
inferior. Não pretendemos, por razões que já dissemos, continuar a seguir o
espiritismo em todas as etapas de seu desenvolvimento; mas as considerações
históricas que precedem, assim como as explicações a que elas deram ocasião,
eram indispensáveis para permitir compreender o que virá a seguir.
NOTAS
1. As principais obras de Allan
Kardec são as seguintes: O Livro dos
Espíritos; O Livro dos Médiuns; A Gênese, os milagres e as predições segundo
o espiritismo; O Céu e o Inferno ou a
Justiça divina segundo o espiritismo; O
Evangelho segundo o espiritismo; O
Espiritismo na sua expressão mais simples; Caracteres da revelação espírita, etc.
2.
Les Lumières et les Ombres du Spiritualisme, pgs.
112-114.
3. La Doctrine spirite, pelo Dr. Dechambre: Gazette
hebdomadaire de médecine et de chirurgie, 1859.
4. Ver as obras de Eugène Nus
intituladas Choses de l’autre monde, Les
Grands Mystères e A la recherche des
destinées.
5. Le Lotus, abril de 1887, pg. 125.
6. Ver o relato de Auguste
Vacquerie em Miettes de l ‘histoire.
7. Le Théosophisme, pg. 116.
8. Ver a respeito a Théorie des quatre mouvements de Fourier.
9.
La Doctrine spirite, pelo Dr. Dechambre.
IV
CARÁTER MODERNO
DO ESPIRITISMO
O que existe de novo no espiritismo, comparado a tudo o
que existia anteriormente, não são os fenômenos, que eram conhecidos desde
longa data, como já assinalamos a respeito das “casas mal-assombradas”; e seria
espantoso que estes fenômenos, se reais são, tivessem esperado até nossa época
para se manifestar, ou que ao menos ninguém tivesse se dado conta até então. O
que há de novo, e o que é especificamente moderno, é a interpretação que os
espíritas dão dos fenômenos dos quais se ocupam, a teoria pela qual eles
pretendem explicá-los; mas é justamente essa teoria que constitui propriamente
o espiritismo, com advertimos desde o início; sem ela, não existiria o espiritismo,
mas qualquer outra coisa, e que poderia mesmo ser totalmente diferente. É
preciso insistir nisso, primeiro porque aqueles que não estão suficientemente a
par do assunto não sabem fazer as distinções necessárias, e depois porque as
confusões são mantidas pelos próprios espíritas, que gostam de afirmar que sua
doutrina é velha como o mundo. Esta é, aliás, uma atitude singularmente ilógica
entre pessoas que professam uma crença no progresso; os espíritas não chegam a
se querer herdeiros de uma tradição imaginária, como os teosofistas contra os
quais já levantamos a mesma objeção (1), mas eles parecem no mínimo ver, na
antigüidade que eles atribuem falsamente à sua crença (e muitos o fazem de boa
fé), uma razão capaz de fortalecê-la numa certa medida. No fundo todas estas
pessoas vivem em contradição, e, se elas nem percebem a contradição, é porque a
inteligência participa pouco de suas convicções; é por isso que suas teorias,
sendo sobretudo de origem e essência sentimentais, não merecem sequer o nome de
doutrinas, e, se as pessoas se agarram a elas, é quase que exclusivamente
porque as consideram “consoladoras” e próprias para satisfazer suas aspirações
a uma vaga religiosidade.
A própria crença no progresso, que desempenha um papel tão
importante no espiritismo, mostra desde logo que este é uma coisa
essencialmente moderna, pois ela é totalmente recente e não chega além da
segunda metade do século XVIII, época cujas concepções, como vimos, deixaram
traços na terminologia espírita, assim como inspiraram todas estas teorias
socialistas e humanitárias que forneceram, de modo imediato, os elementos
doutrinais do espiritismo, dentre os quais destaca-se a idéia da reencarnação.
Esta idéia, de fato, é extremamente recente também, malgrado as asserções
contrárias tantas vezes repetidas, e que repousam sobre assimilações
inteiramente errôneas; é igualmente pelo fim do século XVIII que Lessing a
formulou pela primeira vez, ao que sabemos, e esta constatação lança nossa
atenção sobre a Maçonaria alemã, a que este autor pertencia, sem contar que ele
esteve provavelmente em contato com outras organizações secretas do tipo de que
falamos precedentemente; seria curioso que aquilo que levantou tantos protestos
de parte dos “espiritualistas” norte-americanos tenha tido origens aparentadas
com as de seu próprio movimento. Caberia indagar se não teria sido por esta via
que a concepção expressa por Lessing transmitiu-se pouco depois a certos
socialistas franceses; mas não podemos afirmar nada a este respeito, pois não
está provado que Fourier e Pierre Leroux tenham tido conhecimento, e é
possível, afinal, que a mesma idéia lhes tenha ocorrido de forma independente,
para resolver uma questão que os preocupava fortemente, e que era simplesmente
a da desigualdade das condições sociais. Seja como for, foram eles os
verdadeiros promotores da teoria reencarnacionista, popularizada pelo
espiritismo que a emprestou deles, aonde outros a vieram buscar por sua vez.
Voltaremos na segunda parte deste estudo ao exame aprofundado desta concepção,
que, por grosseira que seja, adquiriu hoje em dia uma verdadeira importância em
função do espantoso sucesso que o espiritismo francês lhe trouxe: não apenas
ela foi adotada pela maior parte das escolas “neo-espiritualistas” que foram
criadas depois, e das quais algumas, como o teosofismo em particular,
conseguiram fazer penetrar nos meios até então refratários do espiritismo
anglo-saxão; mas ainda vemos pessoas que a aceitam sem estar ligadas a nenhuma
dessas escolas, e que não se dão conta de estar sob a influência de certas
correntes mentais das quais elas não sabem quase nada, quando não ignoram a
existência. Para o momento, vamos nos limitar a dizer, para explicá-lo mais
tarde, que a reencarnação não tem absolutamente nada em comum com concepções antigas
como a “metempsicose” e a “transmigração”, com as quais os
“neo-espiritualistas” pretendem identificá-la abusivamente; mas podemos
antever, pelo que dissemos ao tentar definir o espiritismo, que a explicação
das diferenças básicas que eles desconhecem está naquilo que se refere à
constituição do ser humano, tanto para esta questão como para a da comunicação
com os mortos, sobre a qual vamos nos deter mais longamente.
Existe um erro muito difundido, que consiste em querer
ligar o espiritismo ao culto dos mortos, tal como ele existe mais ou menos em
todas as religiões, e também nas diversas doutrinas tradicionais que não tem
caráter religioso; na realidade, este culto, sob qualquer forma como se
apresente, não implica absolutamente uma comunicação efetiva com os mortos; no
máximo se poderia falar talvez, em certos casos, de uma espécie de comunicação
ideal, mas jamais desta comunicação por meios materiais cuja afirmação
constitui o postulado fundamental do espiritismo. Em particular, aquilo que se
denomina o “culto dos ancestrais”, estabelecido na China conforme os ritos
confucionistas (os quais tem um caráter puramente social e não religioso), não
tem nada a ver com quaisquer práticas invocatórias; e este exemplo é no entanto
um aos quais recorrem os partidários da antigüidade e da universalidade do
espiritismo, que dizem ainda que as evocações são freqüentemente feitas, entre
os chineses, por procedimentos semelhantes aos seus. Eis ao que se deve esta
confusão: existem efetivamente na China pessoas que usam instrumentos muitos
parecidos com as “tábuas giratórias”; mas trata-se de práticas adivinhatórias
que pertencem ao domínio da magia, inteiramente estranhas aos ritos
confucionistas. De resto, aqueles que fazem da magia uma profissão são
profundamente desprezados, tanto lá como na Índia, e o emprego desses processos
é visto como vergonhoso, afora alguns casos de que não vale a pena nos
ocuparmos aqui, e cuja semelhança com os casos comuns é apenas exterior; o
essencial, de fato, não é o fenômeno provocado, mas o objetivo para o qual se o
provoca, e também o modo como ele é produzido. Assim, a primeira distinção que
cabe fazer é entre a magia e o “culto dos antepassados”; e é mesmo mais do que
uma distinção, porque trata-se, de fato e de direito, de uma separação
absoluta; mais ainda há mais: é que a magia não é o espiritismo, e ela difere
dele teoricamente em tudo, e na prática em quase tudo. Para começar, devemos
frisar que o mágico é o contrário do médium; ele desempenha na produção dos
fenômenos um papel essencialmente ativo, enquanto que o médium é, por
definição, um instrumento puramente passivo; o mágico teria, a este respeito,
mais analogia com o magnetizador, e o médium com o “paciente” deste; mas é
preciso acrescentar que o mágico não opera necessariamente através de um
“paciente”, e que isto é mesmo muito raro, e que o domínio onde se exerce sua
ação é tão extenso e complexo quanto aquele onde opera o magnetizador. Em
segundo lugar, a magia não implica que as forças que ela coloca em jogo sejam “espíritos”
ou coisa do gênero, e, mesmo onde ela apresenta fenômenos comparáveis aos do
espiritismo, ela fornece uma explicação completamente diferente; pode-se muito
bem, por exemplo, empregar um procedimento de adivinhação qualquer sem admitir
que as “almas dos mortos” estejam envolvidas nas respostas obtidas. Isto que
dizemos tem aliás um alcance bem geral: os procedimentos que os espíritas se
felicitam por encontrar na China existiam também na antigüidade greco-romana:
assim, Tertuliano fala das adivinhações que se faziam “por meio das cabras e
das tábuas”, e outros autores, como Teócrito e Luciano, falam também de vasos e
de peneiras que se fazia girar; mas, em tudo
isto, é apenas de adivinhação que se trata. De resto, mesmo que as “almas dos
mortos” possam, em certos casos, ser misturadas a práticas desse gênero (como
parece indicar o texto de Tertuliano), ou, em outros termos, se a invocação
vem, mais ou menos excepcionalmente, juntar-se à adivinhação pura e simples, é
porque as “almas” de que se trata são outra coisa que aquilo que os espíritas
chamam de “espíritos”; elas são apenas esta “alguma coisa” a que fizemos alusão
antes para explicar certos fenômenos, mas de que não precisamos ainda a
natureza. Voltaremos a isto brevemente,
e acabaremos assim de mostrar que o espiritismo não tem nenhum direito a
sucessor da magia, mesmo vista neste ramo particular que concerne às
invocações; mas, da China, a propósito da qual fomos levados a estas
considerações, deveremos agora passar à Índia, a cujo respeito foram cometidos
outros erros da mesma natureza.
Encontramos, a este respeito, coisas espantosas num livro
que entretanto tem uma aparência séria, o que aliás é a razão pela qual achamos
bom mencioná-lo aqui particularmente: este livro, bastante conhecido, é do Dr.
Paulo Gibier (2), que não é absolutamente espírita; ele pretende ter uma
atitude cientificamente imparcial, e toda a parte experimental parece feita
conscienciosamente. Apenas, podemos nos perguntar porque quase todos que se
ocuparam dessas coisas, mesmo pretendendo apegar-se ao ponto de vista
estritamente científico e abstendo-se de concluir em favor da hipótese
espírita, acham necessário proclamar opiniões anti-católicas que não parecem
ter relação com o assunto tratado; está aí algo de muito estranho, e o livro do
Dr. Gibier contém, no gênero, passagens capazes de alegrar até mesmo
Flammarion, que aprecia tanto introduzir declamações desta sorte em suas obras
de vulgarização astronômica. Mas não é sobre isto que queremos nos deter agora;
há outra coisa mais importante, porque muitas pessoas parecem sequer se dar
conta dela: é que este livro contém, a respeito da Índia, verdadeiras
enormidades. A origem disto, aliás, é fácil de achar: o autor cometeu o erro de
aceitar, de um lado, as histórias fantasistas de Louis Jacolliot (3), e, de
outro, os documentos não menos fantasistas que lhe foram comunicados por uma
certa “Sociedade Átmica” que existia então em Paris (1886), e que de resto era
representada unicamente por seu fundador, o engenheiro Tremeschini. Não nos
deteremos nos erros de detalhe, como quando se toma o título de um tratado pelo
nome de um homem (4); eles só são interessantes na medida em que mostram a
pouca qualidade dos ensinamentos transmitidos. Falamos de enormidades; e
achamos que a palavra não é forte o bastante para qualificar coisas como esta:
“A doutrina espírita moderna (...) acha-se quase completamente de acordo com a
religião esotérica atual dos brahmanes.
Estes a ensinavam aos iniciados dos graus inferiores nos templos do Himalaya,
há talvez cem mil anos! A aproximação é no mínimo curiosa, e podemos dizê-lo,
sem cair no paradoxo, que o espiritismo não passa do brahmanismo esotérico ao
ar livre”(5). Para começar, não existe um “Brahmanismo esotérico”, e, como já o
explicamos em outra parte (6), não voltaremos a isto agora; mas, se houvesse
um, ele não poderia ter nenhuma relação com o espiritismo, porque seria
contraditório com os próprios princípios do Brahmanismo em geral, e também
porque o espiritismo é uma das doutrinas mais grosseiramente exotéricas que
jamais existiram. Se quisermos aludir à teoria da reencarnação, repetimos que
ela jamais foi ensinada na Índia, mesmo pelos Budistas, e que ela pertence
propriamente aos Ocidentais modernos; os que pretendem o contrário não sabem do
que falam (7); mas o erro do autor é mais grave e mais completo, pois eis o que
lemos mais adiante: “Entre os brahmanes,
a prática da invocação dos mortos é a base fundamental da liturgia dos templos
e o fundo da doutrina religiosa” (8). Esta afirmação é exatamente o contrário
da verdade: podemos afirmar categoricamente que todos os Brahmanes sem exceção, longe de fazer da evocação um elemento
fundamental de sua doutrina e de seus ritos, proscrevem-na absolutamente e sob
todas as suas formas. Parece tratar-se de “relatos de viajantes europeus”, e
sobretudo de Jacolliot, que ensinaram ao Dr. Gibier que “as invocações das
almas dos ancestrais não podem ser feitas senão pelos brahmanes de certos graus” (9); ora, as práticas deste gênero,
quando não podem ser suprimidas, são ao menos abandonadas a pessoas das classes
mais inferiores, sobretudo à dos chândâlas,
ou seja os sem-casta (que os Europeus chamam parias), e mesmo assim ainda são distorcidas o quanto possível.
Jacolliot está manifestamente de má fé em inúmeros casos, como quando traveste Isha Krishna em Jezeus Christna para fins de alguma tese anticristã; mas, além
disso, ele e seus pares podem muito bem ter sido enganados, e, se lhes ocorreu,
em sua passagem pela Índia, testemunhar fenômenos reais, certamente não lhes
foram contadas as verdadeiras explicações. Fazemos alusão sobretudo aos
fenômenos dos faquires; mas antes de entrar neste ponto, diremos ainda o
seguinte: na Índia, quando surge espontaneamente em alguém (dizemos
espontaneamente porque ninguém pensaria em adquirir ou desenvolver de propósito
esta faculdade) aquilo que os espíritas chamam de mediunidade, isso é
considerado uma calamidade para o médium e para seus próximos; as pessoas do
povo não hesitam em atribuir ao diabo os fenômenos desta ordem, e mesmo aqueles
que lidam com os mortos só tem em vista a intervenção dos prêtas, vale dizer dos elementos inferiores que permanecem ligados
ao cadáver, elementos rigorosamente idênticos aos mânes dos antigos Latinos, e que não representam absolutamente o
espírito. No mais, de resto, os médiuns
naturais são sempre vistos como “possuídos” ou “obcecados”, segundo o caso, e
só lhes dão atenção quando se quer livrá-los ou curá-los; somente os espíritas
transformam esta enfermidade em privilégio, e procuram mantê-la e cultivá-la, e
mesmo provocá-la artificialmente, e somente eles cercam de uma inacreditável
veneração os infelizes afligidos por este mal, ao invés de vê-los como objetos
de piedade ou de repulsão. Basta não ter nenhum pré-julgamento para ver
claramente o perigo desta estranha inversão das coisas: o médium, qualquer que
seja a natureza das influências que se exercem sobre ele, deve ser considerado
como um verdadeiro enfermo, como um ser anormal e desequilibrado; a partir do
momento em que o espiritismo, longe de remediar este desequilíbrio, propaga-o
com todas as suas forças, ele deve ser denunciado como perigoso para a saúde
pública; aliás, este não é seu único perigo.
Mas voltemos à Índia, a propósito da qual nos resta tratar
de uma última questão, a fim de dissipar o equívoco que se exprime no próprio
título que o Dr. Gibier deu ao seu livro: qualificar o espiritismo de
“faquirismo ocidental”, corresponde a provar simplesmente que não se sabe nada,
não diremos do espiritismo, sobre o qual é fácil informar-se, mas sobre o
faquirismo. A palavra fakir, que é
árabe e significa propriamente “pobre” ou “mendicante”, aplica-se na Índia a
uma categoria de indivíduos muito pouco considerados, salvo pelos Europeus, e
que são visto como atores ambulantes que divertem as pessoas. Ao dizermos isto,
não queremos contestar a realidade de seus poderes especiais; mas estes
poderes, cuja aquisição exige um treinamento longo e penoso, são de ordem
inferior, e portanto considerados como pouco desejáveis; buscá-los equivale a
mostrar a incapacidade de atingir resultados de outra ordem, para os quais eles
não passam de um obstáculo; e encontramos aqui ainda um exemplo do descrédito
que se liga, no Oriente, a tudo o que é do domínio da magia. De fato, os fenômenos
dos faquires são às vezes simulados; mas mesmo esta simulação supõe um poder de
sugestão coletiva, exercendo-se sobre todos os assistentes, que não é menos
espantoso, à primeira vista, do que a própria produção dos fenômenos reais;
isto não tem nada em comum com a prestidigitação (que é excluída pelas próprias
condições a que se submetem os faquires) e é bem diferente do hipnotismo dos
Ocidentais. Quanto aos fenômenos reais, dos quais os outros não passam de
imitações, eles são sempre, como dissemos, do domínio da magia; o faquir,
sempre ativo e consciente em sua produção, é um mágico, e, no outro caso, pode
ser assimilado a um magnetizador; ele não lembra em nada um médium, e mesmo, se
um indivíduo possui a menor dose de mediunidade, isto basta para torná-lo
incapaz de obter qualquer dos fenômenos do faquirismo do modo como este se
caracteriza, pois os procedimentos são diametralmente opostos, e isto mesmo
para os efeitos que apresentam alguma semelhança exterior; aliás, esta
semelhança só se manifesta nos fenômenos mais elementares apresentados pelos
faquires. Por outro lado, nenhum faquir jamais pretendeu que os “espíritos” ou
as “almas dos mortos” tivessem a menor participação na produção destes
fenômenos; caso algum tivesse dito isto a um Europeu como Jacolliot, não seria
por crer nisto: como a maioria dos Orientais, ele estaria apenas respondendo no
sentido das opiniões pré-concebidas que percebeu no seu interlocutor, a quem
eles não diriam a verdadeira natureza das forças que eles manejavam; e de resto,
na falta de outros motivos para agir assim, eles deveriam julgar que qualquer
explicação verdadeira seria perfeitamente inútil, dada a mentalidade das
pessoas com quem estavam lidando. Por pouco instruídos que sejam alguns
faquires, eles ainda possuem algumas noções que pareceriam “transcendentes” ao
comum dos Ocidentais atuais; e, mesmo sobre as coisas que eles são incapazes de
explicar, eles não formam essas idéias falsas que são a essência do
espiritismo, pois eles não teriam nenhuma razão para fazer suposições que
estariam em completo desacordo com todas as concepções tradicionais hindus. A
magia dos faquires não é a magia invocatória, que ninguém ousaria exercer
publicamente; os mortos não entram aí para nada; e, por outro lado, a própria
magia invocatória, se compreendermos bem o que ela é, pode antes contribuir
para reverter a hipótese espírita do que para confirmá-la. Achamos bom prestar
estes esclarecimentos, apesar de um pouco longos, porque, sobre esta questão do
faquirismo e outras que lhe são conexas, a ignorância é geral na Europa: os
ocultistas sabem tão pouco quanto os espíritas e os “psiquistas” (10); de outro
lado, alguns escritores católicos que trataram do mesmo tema limitaram-se a
reproduzir os erros dos outros (11); quanto aos sábios “oficiais”, eles
contentam-se em negar tudo o que não podem explicar, a menos quando, mais
prudentemente, preferem apenas silenciar.
Se as coisas são como dissemos nas civilizações que se
mantiveram até hoje, como as da China e da Índia, podemos presumir que o mesmo
tenha se passado com civilizações desaparecidas que, segundo tudo o que se
sabe, repousavam sobre princípios tradicionais análogos. É assim que, por
exemplo, os antigos Egípcios
viam a constituição do ser humano de um modo que não se
distancia das concepções hindus e chinesas; parece que o mesmo pode ser dito
dos Caldeus; devemos portanto tirar daí conseqüências semelhantes, tanto no que
concerne aos estados póstumos quanto para explicar as invocações. Não queremos
entrar aqui em detalhes, mas apenas dar as indicações gerais; e não devemos nos
deter diante de certas divergências aparentes, que não são contradições, mas
que correspondem a uma diversidade de pontos de vista; se a forma difere de uma
tradição para outra, o fundo permanece idêntico, simplesmente porque a verdade
é uma. Isto é tão verdadeiro que povos como os Gregos e os Romanos, que já
haviam perdido em grande parte a razão de ser de seus ritos e seus símbolos,
guardavam ainda certos dados que concordam perfeitamente com tudo o que se encontra
de forma mais completa em outras tradições, mas que os modernos não compreendem
mais; e o esoterismo de seus “mistérios” comportava provavelmente muitos
ensinamentos que, entre os Orientais, são expostos abertamente, sem ser jamais
vulgarizados, porque sua própria natureza opõe-se a isto; de resto, temos
razões para crer que os próprios “mistérios” tenham tido uma origem oriental.
Podemos assim, ao falarmos de magia e invocações, dizer que todos os antigos as
compreendiam da mesma maneira; encontramos por toda a parte as mesmas idéias,
revestidas de modos diferentes, porque os antigos, como os Orientais de hoje em
dia, sabiam do que tratavam essas coisas. Em tudo o que nos chegou, não
encontramos nem traço de seja o que for que lembre o espiritismo; e, quanto ao
resto, podemos dizer que o que foi perdido não pode ser usado pelos espíritas a
seu favor, e que razões de coerência e analogia levam a pensar que nem aí deve
haver nada que justifique suas pretensões.
Vamos ainda insistir sobre a distinção entre a magia e o
espiritismo, de modo a completar o que já dissemos; e antes de mais nada, para
afastar qualquer mal-entendido, diremos que a magia é propriamente uma ciência
experimental, que nada tem a ver com concepções religiosas ou pseudo-religiosas
de qualquer tipo; não é o que acontece com o espiritismo, onde estas últimas
são predominantes, mesmo quando ele se quer “científico”. Se a magia sempre foi tratada mais ou menos
como uma “ciência oculta”, reservada a poucos, é em razão dos graves perigos
que ela apresenta; porém, sob este aspecto, há uma diferença entre aquele que,
cercando-se de todas as precauções necessárias, provoca conscientemente
fenômenos dos quais ele estudou as leis, e aquele que, ignorando tudo destas
leis, coloca-se à mercê de forças desconhecidas aguardando passivamente o que
irá produzir-se; vemos por aí a vantagem que o mágico leva sobre o espírita,
médium ou simples assistente, mesmo admitindo-se que as demais condições sejam
comparáveis. Falando das precauções necessárias, pensamos nas regras precisas e
rigorosas a que estão submetidas as operações mágicas, todas elas tendo sua
razão de ser; os espíritas negligenciam até as mais elementares destas regras,
ou antes eles nem fazem idéia que elas existam, e agem como crianças que,
inconscientes do perigo, brincam com máquinas temíveis, liberando assim, sem
que ninguém as possa proteger, forças capazes de fulminá-las. Não é preciso
dizer que tudo isto não vem a recomendar a magia, bem ao contrário, mas
unicamente para mostrar que, se ela é perigosa, o espiritismo é muito mais; e
ele o é ainda de um outro modo, no sentido em que ele é de domínio público,
enquanto que a magia sempre foi reservada para alguns, primeiro por ser
propositadamente escondida (precisamente por ser considerada perigosa), e
depois em razão dos conhecimentos requeridos e da complexidade de suas
práticas. De resto, cabe lembrar que aqueles que possuem um conhecimento
completo e profundo destas coisas sempre se abstiveram rigorosamente de
práticas mágicas afora alguns casos excepcionais, em que suas ações são ainda
diferentes das de um mágico comum; este costuma ser um “empírico”, ao menos
numa certa medida, não por ser desprovido totalmente de conhecimento, mas por
não conhecer sempre as verdadeiras razões de tudo o que ele faz; mas, em todo
caso, se estes mágicos expõem-se a certos perigos, como eles sempre foram pouco
numerosos (e tanto menos numerosos na medida mesma em que estas práticas, à
parte as que são relativamente mais inofensivas, são severamente proibidas, e
com muita justiça, pelas leis de todos os povos que sabem do que se trata), o
perigo fica muito limitado, enquanto que, com o espiritismo, este perigo existe
para todos sem exceção. Mas isto é o bastante quanto à magia em geral;
consideraremos daqui para frente apenas a magia invocatória, ramo bastante
restrito, e o único com o qual o espiritismo pode pretender ter relações; a bem
dizer, muitos dos fenômenos que se manifestam, nas sessões espíritas não provém
deste domínio particular, e a invocação está apenas na intenção dos
assistentes, e não nos resultados efetivamente obtidos; mas, no tocante à
natureza das forças que intervém no caso, reservaremos a explicação para outro
capítulo. Para tudo o que entra nessa categoria, mesmo quando se trata de fatos
semelhantes, é evidente que a interpretação mágica e a interpretação espírita
são completamente diferentes; para as invocações, veremos que elas também o
são, apesar de certas aparências enganosas.
De todas as práticas mágicas, as práticas invocatórias são
aquelas que, entre os antigos, foram objeto das interdições mais formais; e no
entanto sabemos que o que se tratava de invocar realmente, não eram os
“espíritos” no sentido moderno, até porque os resultados que se pretendia obter
eram em suma de menor importância. Sabia-se bem, que o que pode ser invocado
não representa o ser real e pessoal, colocado fora de alcance por ter passado
para um outro estado de existência (falaremos disto na segunda parte de nosso
estudo), mas unicamente estes elementos inferiores que o ser de certa forma
abandona atrás de si, no domínio da existência terrestre, na seqüência desta
dissolução do composto humano a que chamamos morte. É isto, como dissemos, que
os antigos Latinos chamavam “mânes”;
é também o que os Hebreus chamam ob,
palavra que é sempre empregada nos textos bíblicos quando se trata de
invocações, e que alguns tomam erradamente como a designação de uma entidade
demoníaca. De fato, a concepção hebraica da constituição do homem concorda
perfeitamente com todas as outras; e, para servirmo-nos de correspondências
tomadas da linguagem aristotélica, para melhor compreensão, diremos não apenas
que o ob não é o espírito ou a “alma
racional” (neshamah), mas que ele não
é a “alma sensitiva” (ruahh), e nem
sequer a “alma vegetativa” (nephesh).
Sem dúvida, a tradição judaica parece indicar, como uma das razões da proibição
de invocar o ob (12), a existência de
uma certa relação entre este e os princípios superiores, e este ponto deveria
ser examinado mais de perto em função do modo próprio como esta mesma tradição
encara os estados póstumos do homem; mas, em todo caso, não é ao espírito que o
ob permanece ligado direta e
imediatamente, mas ao corpo, e é por isso que a linguagem rabínica o chama habal de garmin ou “sopro dos ossos”
(13); é precisamente o que permite explicar os fenômenos que assinalamos mais
acima. Assim, aquilo de que se trata não lembra em nada o “perispírito” dos
espíritas, nem o “corpo astral” dos ocultistas, que se supõe revestir o
espírito do morto; há uma outra diferença capital, pois o ob tampouco é um corpo: é, se o quisermos, uma forma sutil, que
pode tomar uma aparência corporal ao se manifestar em certas condições, donde o
nome de “duplo” que lhe davam os Egípcios. De resto, não se trata de uma aparência
em todos os sentidos: separado do espírito, este elemento não pode ser
consciente no verdadeiro sentido da palavra; mas ele possui uma simulacro de
consciência, uma imagem virtual do que era a consciência da pessoa viva; e o
mágico, revivificando esta aparência emprestando-lhe aquilo que lhe falta, dá
temporariamente a esta consciência reflexa uma consistência suficiente para
obter dela respostas quando a interroga, como acontece quando a invocação é
feita com fins adivinhatórios, que é o que constitui propriamente a
“necromancia”. Nós nos desculpamos se estas explicações, que completaremos mais
adiante com a consideração de forças de uma outra ordem, parecem pouco claras;
é difícil colocar estas coisas em linguagem comum, e devemos nos contentar com
expressões aproximativas; isto se deve em boa parte à filosofia moderna, a
qual, ignorando totalmente estas questões, não pode fornecer uma terminologia
adequada para tratá-las. Agora, há outro equívoco que pode acontecer a respeito
dessa teoria, e que convém evitar: pode parecer, se ficarmos na superfície das
coisas, que o elemento póstumo de que se trata seja assimilável ao que os
teosofistas chamam “cascas”, e que eles dizem intervir na explicação da maior
parte dos fenômenos espíritas; mas não se trata disto, embora esta teoria seja
provavelmente derivada da outra, mas deformada pela incompreensão de seus
autores. De fato, para os teosofistas, uma “casca” é um “cadáver astral”, ou seja um corpo em vias de decomposição; e,
além de se considerar que este corpo só é abandonado pelo espírito algum tempo
após a morte, ao invés de ser essencialmente ligado ao corpo físico, a própria
concepção de “corpos invisíveis” é grosseiramente errônea, e é uma das que
podemos qualificar de “neo-espiritualismo” ou de “materialismo
transposto”. Sem dúvida, a teoria da
“luz astral” de Paracelso, que é de um alcance muito maior, contém ao menos uma
parte de verdade; mas os ocultistas não a compreenderam, e ela tem pouca
relação com o “corpo astral”, e com o “plano” a que eles dão o mesmo nome,
concepções modernas, apesar de suas pretensões, e que não concordam com nenhuma
tradição autêntica.
Acrescentaremos ao que foi dito algumas reflexões que,
apesar de não se ligarem diretamente ao nosso assunto, nem por isso são menos
necessárias, dada a mentalidade própria aos Ocidentais modernos. Estes, de
fato, quaisquer que sejam suas convicções religiosas ou filosóficas, são, na
prática, “positivistas”, em sua maioria; parece mesmo que eles não conseguem
sair desta atitude sem cair nas extravagâncias do “neo-espiritualismo”, talvez
por não conhecerem nada diferente. Isto chega a um ponto tal que muitas pessoas
sinceramente religiosas, mas influenciadas pelo meio, tendo que admitir certas
possibilidades em princípio, recusam-se energicamente a aceitar-lhes as
conseqüências e negam de fato, senão de direito, tudo o que não cabe dentro da
idéia que elas se fazem da chamada “vida comum”; a estes, as considerações que
expusemos devem soar tão estranhas e chocantes quanto para os “cientistas” mais
limitados. Isto pouco nos importaria, se estas pessoas não se acreditassem mais
competentes que quaisquer outras em matéria de religião, e mesmo qualificadas
para exprimir, em nome desta religião, julgamentos sobre coisas ultrapassam seu
entendimento; é por isso que achamos bom fazer-lhes uma advertência, embora sem
nos iludirmos sobre os efeitos que esta poderá causar. Lembraremos portanto que
não pretendemos nos colocar aqui do ponto de vista religioso, e que as coisas
de que falamos pertencem a um domínio totalmente distinto da religião; de
resto, se exprimimos certas concepções, é apenas porque sabemos que elas são
verdadeiras, independentemente de qualquer preocupação estranha à pura
intelectualidade; mas acrescentaremos que, apesar disso, estas concepções
permitem, melhor do que muitas outras, compreender alguns pontos concernentes à
própria religião. Perguntaremos, por exemplo, o seguinte: como se pode
justificar o culto católico das relíquias, ou ainda a peregrinação aos túmulos
dos santos, se não admitirmos que alguma coisa de não material permanece, de um
modo ou de outro, ligado ao corpo após a morte? Sabemos que, unindo assim as
duas questões, apresentamos a coisa de uma maneira bastante simplificada; na
realidade, as forças de que se trata neste caso (e usamos a palavra “força” num
sentido muito geral) não são idênticas àquelas de que nos ocupamos
precedentemente, embora haja aí uma certa relação: elas são de uma ordem muito
superior, porque nelas intervém outra coisa que é como que superposta, e
colocá-las em jogo não depende absolutamente de magia, mas sim daquilo que os
neo-platônicos chamavam “teurgia”; esta é uma distinção que não se deve
esquecer. Para darmos um outro exemplo, o culto das imagens e a idéia que
certos lugares possuem privilégios especiais são ininteligíveis se não
admitirmos que existem verdadeiros centros de força (qualquer que seja aliás a natureza destas
forças) e que certos objetos podem representar de certa forma o papel de “condensadores”:
veja-se simplesmente na Bíblia o que é dito da arca da aliança, assim como do
templo de Jerusalém, para entender o que dizemos. Tocamos aqui na questão das
“influências espirituais”, sobre a qual não vamos insistir, e cujo
desenvolvimento encontraria muitas dificuldades, pois, apara abordá-la, seria
preciso apelas para certos dados metafísicos de ordem mais elevada. Citaremos
apenas um caso: em certas escolas do esoterismo muçulmano, o “Mestre” (Sheikh) que foi o fundador, embora morto
há séculos, é visto como estando vivo e agindo através de sua “influência
espiritual” (barakah); mas nisto não
intervém sua personalidade real, que está, não apenas além deste mundo, mas
também além de todos os “paraísos”, vale dizer dos estados superiores ainda
transitórios. Pode-se avaliar assim como estamos longe, não só do espiritismo,
mas ainda da magia; e, se tocamos no assunto, foi para não deixar incompletas
todas as indicações necessárias; a diferença que separa esta ordem de todas as
outras é também a mais profunda de todas.
Pensamos ter dito o suficiente para mostrar que, antes dos
tempos modernos, nunca houve nada de comparável com o espiritismo; no caso do
Ocidente, encaramos sobretudo a antigüidade, mas tudo o que se refere à magia é
igualmente válido para a idade média. Se no entanto quiséssemos a toda força
encontrar algo que pudesse ser assimilado ao espiritismo até um certo ponto
(porque as teorias não concordariam aí também), encontraríamos simplesmente a
feitiçaria. De fato, os feiticeiros são manifestamente “empíricos”, embora o
mais ignorante deles saiba provavelmente mais do que os espíritas a este
respeito; eles só conhecem os ramos mais baixos da magia, e as forças que eles
colocam em jogo, as mais baixas de todas, são as mesmas com que lidam os
espíritas. Enfim, os casos de “possessão” e de “obsessão”, diretamente
relacionados com as práticas de feitiçaria, são as únicas manifestações
autênticas de mediunidade que se pode constatar antes da aparição do
espiritismo; e será que as coisas mudaram tanto que as mesmas palavras não sejam
mais aplicáveis? Achamos que não; e na verdade, se os espíritas não podem se
recomendar um parentesco tão suspeito quanto inviável, recomendaremos a eles
que renunciem a reivindicar para seu movimento qualquer espécie de filiação, e
tomar o partido de uma modernidade que, pela boa lógica, não deveria
envergonhar os partidários do progresso.
NOTAS
1. Le Théosophisme, pg. 108.
2.
Le Spiritisme ou Fakirisme occidental.
3.
Le Spiritisme dans le Monde; La Bible dans l’Inde; Les
Fils de Dieu; Christna e Christ; Histoire des Vierges; La Genèse de L’Humanité.
4. Sûrya-Siddhânta (grafado Souryo-Siddhanto);
esclarece-se mesmo que este suposto astrônomo teria vivido há cinqüenta mil
anos atrás.
5. Le Spiritisme, pg. 76.
6. Introduction générale à l’étude des doctrines hindoues, pgs. 152-154.
7. O Dr. Gibier chega a
traduzir avatara como “reencarnação”
(pg. 117); e acredita que este termo aplica-se à alma humana.
8. Le Spiritisme, pg. 117.
9. Ibid.,
pg. 118.
10. Para a interpretação
ocultista, ver Le Fakirisme hindou,
por Sédir.
11. Ver Le Fakirisme, de Charles Godard, que cita Jacolliot como uma
autoridade, acredita na existência do “adepto” Koot-Hoomi, e chega a confundir
o faquirismo com o yoga e com diversas outras coisas do gênero. Este autor era
de resto um antigo ocultista, embora tenha negado isto em termos que nos fazem duvidar de sua
sinceridade (L’Ocultisme contemporain,
pg. 70); agora que ele está morto, não há mais inconveniente em revelar que ele
colaborou longamente com a Initiation
sob o pseudônimo de Saturninus; na Echo du Merveilleux, ele se assinava Timothée.
12. Deuteronômio, XVIII, 11.
13. E não “corpo de
ressurreição”, como traduziu o alemão Carl Von Leiningen (comunicação à Societé
Psychologique de Munich, a 5 de março de 1887).
V
ESPIRITISMO E
OCULTISMO
O ocultismo é também coisa bastante recente, talvez até
mais recente do que o espiritismo; este termo parece ter sido empregado pela
primeira vez por Alphonse-Louis Constant, mais conhecido pelo pseudônimo de
Eliphas Lévi, e parece-nos ter sido ele seu inventor. Se o termo é novo, aquilo
que ele designa não o é menos: até então, haviam “ciências oculta”, aliás mais
ou menos ocultas, e também de maior ou menor importância; a magia era uma
destas ciências, e não seu conjunto como querem alguns (1); o mesmo ocorre com
a alquimia, a astrologia e muitas outras; mas jamais se pretendeu reuni-las num
corpo de doutrina único, o que implica essencialmente a denominação de
“ocultismo”. A bem dizer, este auto-intitulado corpo doutrinal é formado de
elementos bem díspares: Eliphas Lévi quis constituí-lo sobretudo com a cabala
hebraica, o hermetismo e a magia; os que vieram depois dele viriam a dar ao
ocultismo um caráter bem diferente. As obras de Eliphas Lévi, ainda que menos
profundas do que se pretendiam, exerceram uma influência extremamente ampla:
elas inspiraram os chefes de escolas as mais diversas, como Mme. Blavatsky, a
fundadora da Sociedade Teosófica, sobretudo na época em que ela publicava Isis Dévoilée, como o escritor maçônico
americano Albert Pike, como os neo-rosacruz ingleses. Os teosofistas aliás
continuaram a empregar o termo de ocultismo para qualificar sua própria
doutrina, que podemos ver de fato como uma variedade particular de ocultismo,
pois ninguém se opõe a que se faça desta denominação o nome genérico de múltiplas
escolas, cada qual com sua concepção própria; entretanto, não é assim que se
entende o termo habitualmente. Eliphas Lévi morreu em 1875, ano em que foi
fundada a Sociedade Teosófica; na França, passaram-se alguns anos durante os
quais quase não se tratou de ocultismo; foi por volta de 1887 que o Dr. Gérard
Encausse, com o nome de Papus, retomou essa denominação, esforçando-se para
agrupar em torno de si todos aqueles que tivessem tendências análogas, e foi
sobretudo a partir do momento em que se separou da Sociedade Teosófica, em
1890, que ele pretendeu de certo modo monopolizar o título de ocultismo em
benefício da sua escola. Tal é a gênese do ocultismo francês; já se disse que
este ocultismo não passava de um “papusismo”, o que é verdade sob certo aspecto,
pois uma grande parte de suas teorias não passam efetivamente de obras de uma
fantasia individual; algumas mesmo só se explicam pelo desejo de opor, à falsa
“tradição oriental” dos teosofistas, uma “tradição ocidental”, não menos
imaginária. Não vamos fazer aqui a história do ocultismo, nem expor o conjunto
de suas doutrinas; mas, antes de falarmos de suas relações com o espiritismo e
do que os diferencia, estas explicações sumárias são indispensáveis, a fim de
que ninguém se espante quando classificamos o ocultismo entre as concepções
“neo-espiritualistas”.
Como os teosofistas, os ocultistas em geral são cheios de
desdém pelos espíritas, e isto é compreensível até certo ponto, pois o
teosofismo e o ocultismo tem ao menos uma aparência superficial de intelectualidade
que o espiritismo não tem, e eles podem endereçar-se a espíritos de um nível um
pouco superior. Assim vemos Papus, aludindo ao fato de que Kardec era uma
antigo instrutor, trata o espiritismo de “filosofia primária” (2); e eis como
ele aprecia os meios espíritas: “Não recrutando senão uns poucos crentes nos
meios científicos, esta doutrina sustenta-se pela quantidade de aderentes que
lhes fornecem as classes médias e sobretudo o povo. Os “grupos de estudos”,
cada um mais “científico” do que o outro, são formados por pessoas sempre muito
honestas e de boa fé, antigos oficiais, pequenos comerciantes ou empregados,
cuja instrução científica e principalmente filosófica deixa muito a desejar.
Instrutores são “luzes” nestes grupos” (3). Esta mediocridade é de fato
impressionante; mas Papus, que critica tão vivamente a falta de seleção entre
os aderentes do espiritismo, teria sido ele, com sua própria escola, tão isento
de falhas? Responderemos esta questão lembrando que seu papel foi sobretudo o
de um “vulgarizador”; esta atitude, bem diferente da de Eliphas Lévi, é
incompatível com pretensões aos esoterismo, e há aí uma contradição que não nos
cabe explicar. Em todo caso, o que há de certo é que o ocultismo, tanto quanto
o teosofismo, não tem nada em comum com um esoterismo verdadeiro, sério e
profundo; é preciso não ter nenhuma
noção destas coisas para se deixar seduzir pela vã miragem de uma suposta
“ciência iniciática” que na verdade não passa de uma erudição superficial e de
segunda ou terceira mão. A contradição que assinalamos não existe no
espiritismo, que rejeita totalmente qualquer esoterismo, e cujo caráter
eminentemente “democrático” concorda perfeitamente com uma intensa necessidade
de propaganda; é mais lógico do que a atitude dos ocultistas, mas as críticas
deste não deixam de ser justas em si mesmas, como veremos mais adiante.
Não voltaremos, porque já reproduzimos diversos extratos
em outra ocasião (4), sobre as críticas, por vezes violentas, que os chefes do
teosofismo endereçaram aos espíritas, embora muitos tenham passado por esta
escola; as dos ocultistas franceses são, de modo geral, formuladas em termos
mais moderados. No início, entretanto, houve vivos ataques de parte a parte; os
espíritas ficavam particularmente ofendidos por serem tratados de “profanos”
por pessoas dentre as quais estavam alguns de seus antigos “irmãos”; mas logo
se viu uma tendência à conciliação, sobretudo por parte dos ocultistas, cujo
“ecletismo” predispunha a maiores concessões. O primeiro efeito disto foi uma
reunião em Paris, em 1889, de um “Congresso espírita e espiritualista”, onde
todas as escolas estavam representadas; naturalmente, isto não fez desaparecer
as dissensões e as rivalidades; mas, pouco a pouco, os ocultistas chegaram a
aceitar, em seu pouco coerente sincretismo, uma parte maior ou menor das
teorias espíritas, por sinal em vão, porque nem por isso os espíritas chegaram
a reconhecê-los como verdadeiros “crentes”. Houve no entanto algumas exceções
individuais: na medida em que a distensão de processava, o ocultismo ia-se
“vulgarizando” pouco a pouco, e os seus
grupos, mais abertos que originalmente, passaram a acolher pessoas que, por
entrar, não deixavam por isso de ser espíritas; estes eram talvez uma elite
dentro do espiritismo, mas uma elite bem relativa, e o nível dos meios
ocultistas foi caindo devagar e sempre – talvez um dia possamos descrever esta
“evolução” às avessas. Já falamos, a respeito do teosofismo, sobre as pessoas
que aderem simultaneamente a escolas cujas teorias se contradizem, e que não se
dão conta disto, por serem acima de tudo sentimentais; acrescentaremos que, em
todos estes grupos, o elemento feminino predomina, e que muitos só se
interessam, do ocultismo, pelo estudo das “artes adivinhatórias”, o que dá a
justa medida de suas capacidades intelectuais.
Antes de avançarmos, vamos explicar um fato que
assinalamos no início: existem, entre os espíritas, inúmeros indivíduos e
pequenos grupos isolados, enquanto que os ocultistas quase sempre se ligam a
alguma organização, mais ou menos sólida, mais ou menos bem constituída, mas
que permite àqueles que fazem parte dizerem-se “iniciados” em alguma coisa, ou
terem a ilusão disto. É porque os espíritas não tem nenhuma iniciação e não
querem nem ouvir falar de nada que lembre de perto ou de longe, pois uma das
características de sua organização é de ser aberta a todos sem distinção e de
não admitir nenhuma espécie de hierarquia; desta forma, alguns de seus
adversários erraram redondamente falando de uma “iniciação espírita” que é
inteiramente inexistente; é preciso lembrar, aliás, que de diversos lados
abusou-se bastante deste termo de “iniciação”. Os ocultistas, ao contrário,
pretendem possuir uma tradição, a torto ou a direito; mas enfim pretendem; é
por isso que eles acreditam precisar de uma organização apropriada através da
qual os ensinamentos possam ser transmitidos regularmente; e, se um ocultista
separa-se desta organização, é normalmente para fundar uma outra, e tornar-se
“chefe de escola” por sua vez. Na verdade, os ocultistas estão enganados quando
pensam que a transmissão de conhecimentos tradicionais deva se fazer por uma
organização revestida da forma de uma “sociedade”, no sentido bem claro como
esta palavra é tomada modernamente; estes grupos não passam de caricaturas das
escolas verdadeiramente iniciáticas. Para mostrar a pouca seriedade da suposta
iniciação dos ocultistas, basta, sem mais considerações, mencionar a prática,
corrente entre eles, de “iniciações por correspondência”; não é difícil
tornar-se “iniciado” nestas condições, e trata-se de uma formalidade sem valor
nem alcance; mas serve para salvaguardar as aparências. A este respeito,
devemos dizer ainda, para que ninguém se engane sobre nossas intenções, que o
que repreendemos no ocultismo é não ser ele aquilo pelo que se faz passar; e
nossa atitude, quanto a isto, é bem diferente da maior parte dos seus
adversários, e mesmo inversa de certa forma. Com efeito, os filósofos
universitários, por exemplo, criticam o ocultismo por pretender ultrapassar os
estreitos limites dentro dos quais eles mesmos encerram suas concepções,
enquanto que, para nós, seu defeito é justamente o de não ultrapassá-los, salvo
em alguns pontos específicos onde ele se apropriou de conceitos anteriores,
aliás sem os compreender bem. Assim, para os outros, o ocultismo vai ou
pretende ir longe demais; para nós, ao contrário, ele não vai nem um pouco
longe, e ele engana seus aderentes sobre o caráter e a qualidade dos
conhecimentos que lhes fornece. Uns ficam aquém, nos vamos além – e daí resulta
que, se aos olhos dos ocultistas, filósofos universitários e sábios oficiais
são simples “profanos”, assim como os espíritas, aos nossos olhos os ocultistas
são igualmente “profanos”, e ninguém pensa de outra forma dentre aqueles que
sabem o que são as verdadeiras doutrinas tradicionais.
Isto posto, podemos voltar à questão das relações entre o ocultismo e o espiritismo; e devemos
precisar que, no que se segue, iremos tratar sempre do ocultismo papusiano, bem
diferente, como dissemos, do de Eliphas Lévi. Este último, de fato, era
formalmente anti-espírita, e, por outro lado, ele nunca acreditou em
reencarnação; se ele gostava de dizer-se um Rabelais reencarnado, era apenas
por brincadeira: temos sobre isto o testemunho de quem o conheceu pessoalmente,
e que, sendo reencarnacionista, não pode ser considerado suspeito a respeito.
Ora, a teoria da reencarnação é um dos empréstimos que tanto o ocultismo quanto
o teosofismo fizeram ao espiritismo, pois sempre houveram tais empréstimos, e
estas duas escolas bem ou mal sofreram a influência do espiritismo que lhes é
anterior, apesar de todo o desdém que elas manifestam a seu respeito. No tocante à reencarnação, a coisa é muito
clara: já dissemos como Mme. Blavatsky tomou esta idéia dos espíritas francesas
e a transplantou para os meios anglo-saxões; por sua vez, Papus e alguns de
seus primeiros aderentes começaram por ser teosofistas, e quase todos vieram
diretamente do espiritismo; não é preciso procurar mais longe. Sobre pontos
menos fundamentais, já tivemos um exemplo da influência espírita na importância
capital que o ocultismo atribui ao papel dos médiuns na produção de certos
fenômenos; podemos encontrar outro na concepção do “corpo astral”, que não
deixa de ter muitas particularidades do “perispírito”, mas com a diferença que
se supõe que o espírito abandona o “corpo astral” mais o menos tempo depois da
morte, assim como ele abandonou o “corpo físico”, enquanto que o “perispírito”
pretensamente persiste indefinidamente e acompanha o espírito em todas as suas
reencarnações. Um outro exemplo está naquilo que os ocultistas chamam de
“estado de turbação”, ou seja um estado de inconsciência em que o espírito mergulha imediatamente após
a morte: “Durante os primeiros instantes desta separação, diz Papus, o espírito
não se dá conta do novo estado em que está; ele está perturbado, ele não
acredita estar morto, e é apenas de forma progressiva, muitas vezes ao cabo de
muitos dias ou de muitos meses, que ele toma consciência deste seu novo estado”
(5). Isto não é outra coisa que a exposição da doutrina espírita; mas, de
resto, Papus dá esta teoria como sua e precisa que “o estado de turbação
estende-se desde o começo da agonia até a liberação do espírito e a desaparição
das cascas” (6), vale dizer dos elementos inferiores do “corpo astral”. Os
espíritas falam constantemente de homens que passaram anos sem se dar conta de
que estavam mortos, mantendo todas as preocupações de sua existência terrestre
e imaginando-se ainda desempenhando suas ações habituais, e alguns dentre eles
atribuíam-se mesmo a bizarra função de
“instrutores de espíritos” a este respeito; Eugène Nus (7) e outros contaram
muitas histórias sobre isto bem antes de Papus, de modo que a fonte de onde ele
tirou sua idéia do “estado de turbação” fica fora de dúvida. Convém mencionar
ainda as conseqüências atribuídas às ações através da série de existências
sucessivas, aquilo que os teosofistas chamam de “karma”; ocultistas e espíritas
rivalizam em matéria de detalhes inverossímeis
sobre estas coisas, e voltaremos a elas quando falarmos da reencarnação;
ainda aí, os espíritas podem reivindicar a prioridade. Prosseguindo neste
exame, encontraremos muitos outros pontos onde as similaridades podem ser
explicadas por empréstimos feitos ao espiritismo, a quem o ocultismo deve muito
mais do que gostaria; é verdade que tudo junto não vale grande coisa; mas o que
é mais importante, é ver como e em que medida os ocultistas admitem a hipótese
fundamental do espiritismo, que é a comunicação com os mortos.
Podemos constatar no ocultismo uma preocupação visível de
dar às teorias um aspecto “científico”, no sentido moderno; quando se recusa,
às vezes com razão, a competência dos sábios comuns em certas áreas, seria
talvez mais lógico não procurar imitar seus métodos nem se inspirar em seu
espírito; mas estamos apenas constatando um fato. É preciso de resto notar que
os médicos, dentre os quais são recrutados muitos dos “psiquistas” de que
falaremos mais adiante, forneceram também um importante contingente ao
ocultismo, sobre o qual os hábitos mentais oriundos de sua educação e do
exercício profissional reagiram manifestamente; é assim que podemos explicar o
grande espaço que ocupam, notadamente nas obras de Papus, as teorias que
podemos chamar de “psico-fisiológicas”. A partir daí, a parte da experimentação
deveria também ser considerável, e os ocultistas, para terem uma atitude
“científica” ou reputada como tal, deveria voltar sua atenção principalmente
para o lado dos fenômenos, que as verdadeiras escolas iniciáticas sempre
trataram, bem ao contrário, como coisas totalmente negligenciáveis;
acrescentemos que isto não conseguiu trazer para o ocultismo nem o favor nem a
simpatia dos sábios oficiais. De resto, a atração pelos fenômenos não se
exerceu senão naqueles que era movidos por preocupações “científicas”; alguns
os cultivaram com intenções bem outras, e com não menos ardor, pois é este lado
do ocultismo que, juntamente com as “artes adivinhatórias”, interessa uma
grande parte de seu público, onde se contam naturalmente todos aqueles que eram
mais ou menos espíritas. À medida em que este elemento cresceu, foi relaxando
cada vez mais o rigor “científico” que se apregoava de início; mas,
independentemente deste desvio, o caráter experimental e “fenomenista” do
ocultismo o predispôs sempre a manter com o espiritismo relações que, mesmo não
sendo sempre agradáveis e corteses, nem por isso deixaram de ser
comprometedoras. O que temos a lembrar, não é que o ocultismo não tenha
admitido a realidade desses fenômenos, que também não contestamos, nem que ele
não os tenha estudado especificamente, e voltaremos a isto a propósito do
“psiquismo”; mas é a excessiva importância que ele atribuiu a estes estudos,
dadas as suas pretensões a uma ordem intelectual mais elevada, e principalmente
o fato de ter admitido parcialmente a explicação espírita, procurando somente
reduzir o número de casos em que ela se aplica. “O ocultismo, diz Papus, admite
como absolutamente reais todos os fenômenos do espiritismo. Entretanto, ele
restringe consideravelmente a influência dos espíritos na produção destes
fenômenos, e os atribui a uma variedade de outras influências em ação no mundo
invisível” (8). Não é preciso dizer que os espíritas protestam energicamente
contra esta restrição, tanto quanto contra a afirmação de que “o ser humano
divide-se em inúmeras entidades após a morte, e o que vem comunicar-se não é o
ser inteiro, mas um fragmento do ser, uma concha astral”; e de resto
acrescenta-se a isto que, de modo geral, “a ciência oculta é muito difícil de
compreender e muito complicada para os leitores habituais dos livros espíritas”
(9), o que não é elogioso para estes. De nossa parte, a partir do momento em
que se admite em qualquer medida a “influência dos espíritos” nos fenômenos,
não vemos qual o interesse em restringi-la, seja quanto ao número de casos onde
ela se manifesta, seja quanto às categorias de “espíritos” que podem ser
realmente invocados. Sobre este último ponto, com efeito, eis o que diz ainda
Papus: “Parece incontestável que as almas dos mortos amados possam ser
invocadas e possam vir sob certas condições. Partindo deste ponto verdadeiro,
os experimentadores de imaginação ativa não tardaram a pretender que as almas
de todos os mortos, antigos e modernos, eram capazes de responder à ação de uma
invocação mental” (10). Existe algo de extraordinário neste modo de criar uma
exceção para os “mortos amados”, como se considerações sentimentais fossem
capazes de dobrar as leis naturais! Ou a invocação das “almas dos mortos”, no
sentido espírita, é uma possibilidade, ou não é; no primeiro caso, é bastante
arbitrário pretender assinalar limites a esta possibilidade, e seria melhor
talvez aliar-se simplesmente ao espiritismo. Em todo caso, fica mal, em tais
condições, repreender a este o caráter sentimental ao qual ele deve certamente
grande parte do seu sucesso, e não é direito fazer declarações deste gênero: “A
Ciência deve ser verdadeira e não sentimental, para não dar lugar à
argumentação que pretende que a comunicação com os mortos não pode ser discutida
por constituir-se numa idéia consoladora” (11). Isto é aliás perfeitamente
justo, mas, para estar autorizado a dizê-lo, é preciso estar isento de qualquer
sentimentalismo, o que não é o caso; sob este aspecto, não há mais que uma
diferença de grau entre o espiritismo e o ocultismo, e, neste último, as
tendências sentimentais e pseudo-místicas foram se acentuando no decurso dessa
decadência a que já fizemos alusão. Mas, desde os primeiros tempos, e sem
sairmos da questão da comunicação com os mortos, essas tendências já se
afirmavam suficientemente em frases como esta: “Quando uma mãe desesperada vê
sua filha manifestar-se diante de si de uma maneira evidente, quando uma
criança deixada só sobre a terra vê seu pai defunto aparecer-lhe e lhe prometer
seu apoio, existem oitenta chances sobre cem que estes fenômenos tenham sido
produzidos por “espíritos”, o eu dos
defuntos” (12). A razão pela qual estes casos
são privilegiados é que, parece, “para que um espírito, para que o próprio ser
venha a se comunicar, é preciso que exista relação
fluídica entre o invocador e o invocado”. É preciso assim acreditar que o
sentimento deve ser considerado como qualquer coisa “fluídica”; não falamos a
pouco de “materialismo transposto”? De resto, toda esta história de “fluídos”
vem dos magnetizadores e dos espíritas; aqui também, na terminologia como nas
concepções, o ocultismo sofreu a influência de escolas que ele qualifica
desdenhosamente como “primárias”.
Os representantes do ocultismo saíram algumas vezes de sua
atitude de desprezo em relação aos espíritas, e os avanços que fizeram em
certas circunstâncias não deixam de lembrar algo do discurso de 1898 em que
Mme. Annie Besant, diante da Aliança Espiritualista de Londres, declarou que os
dois movimentos, “espiritualista” e teosofista, tinham tido a mesma origem. Os
ocultistas foram ainda mais longe nisso, chegando a afirmar que suas teorias
não eram apenas aparentadas às dos espíritas, o que é incontestável, mas que
eram idênticas no fundo; Papus o disse expressamente na conclusão do relatório
que apresentou no Congresso Espírita e Espiritualista de 1889: “Como é fácil de
ver, as teorias do espiritismo são as mesmas do ocultismo, mas menos
detalhadas. O alcance dos ensinamentos do espiritismo é maior, pois ele pode ser
compreendido por um número maior de pessoas. Os ensinamentos do ocultismo,
mesmo os teóricos, são, por sua complexidade mesma, reservados aos cérebros
amoldados às dificuldades das concepções abstratas. Mas no fundo a doutrina que
ensinam estas duas grandes escolas é idêntica” (13). Existe aí um certo
exagero, e podemos talvez qualificar esta atitude como “política”, sem no
entanto atribuir aos ocultistas intenções comparáveis às de Annie Besant; de
resto, os espíritas sempre desconfiaram e não responderam a estes avanços,
parecendo temer uma tentativa de fusão com outros movimentos. Seja como for,
podemos dizer que o “ecletismo” dos ocultistas franceses é singularmente
abrangente, e bastante incompatível com sua pretensão de possuir uma doutrina
séria apoiada sobre uma tradição respeitável; nós iremos mais longe, e diremos
que qualquer escola que tenha qualquer coisa em comum com o espiritismo perde
por isso mesmo todo direito de apresentar suas teorias como a expressão de um
verdadeiro esoterismo.
Apesar de tudo, não se deve confundir o ocultismo com o
espiritismo; se esta confusão é cometida por pessoas mal informadas, o erro, é
verdade, não se deve apenas à sua ignorância, mas também em parte, como vimos,
às imprudências dos próprios ocultistas. Entretanto, de modo geral, existe
entre os dois movimentos uma espécie de antagonismo, mais violento por parte
dos espíritas, mais discreto por parte dos ocultistas; basta aliás, para
irritar as convicções e as susceptibilidades dos espíritas, que os ocultistas levantem
algumas de suas extravagâncias, o que não os impede de cometê-las eles próprios
em outras ocasiões. Podemos compreender agora porque dissemos que, para ser
espírita, não basta apenas admitir a comunicação com os mortos em alguns casos
mais ou menos excepcionais; por outro lado, os espíritas não querem nem ouvir
falar dos elementos que os ocultistas fazem intervir na produção dos fenômenos
(e sobre os quais voltaremos), a menos de alguns poucos que, menos limitados e
menos fanáticos do que os outros, aceitam que haja às vezes uma ação
inconsciente do médium e de seus assistentes. Enfim, existe dentro do ocultismo
uma quantidade de teorias que não tem nenhuma correspondência com o
espiritismo; qualquer que seja seu valor real,
elas são testemunho de preocupações menos restritas, e, em suma, os
ocultistas enganam-se quando, com maior ou menor sinceridade, pretendem tratar
as duas escolas em pé de igualdade; e é verdade que, para ser superior ao
espiritismo, uma doutrina não precisa ser sólida nem mostrar nenhuma grande
elevação espiritual.
NOTAS
1. Papus, Traité méthodique de Science oculte, pg. 324.
2. Papus, Traité méthodique de Science oculte, pgs. 324 e 909.
3. Papus, Traité méthodique de Science oculte, pgs. 331.
4. Le Théosophisme, pgs. 124-129.
5. Papus, Traité méthodique de Science oculte, pgs. 327.
6.
L’état de trouble et l’évolution posthume de l’être humain, pg. 17.
7.
A la recherche des destinées.
8. Papus, Traité méthodique de Science oculte, pgs. 347.
9. Ibid.,
pg. 344.
10. Ibid.,
pg. 331.
11. Papus, Traité méthodique de Science oculte, pgs. 324.
12. Ibid.,
pg. 847
13. Papus, Traité méthodique de Science oculte, pgs. 359-360.
VI
ESPIRITISMO E
PSIQUISMO
Dissemos antes que, se nós negamos de modo absoluto todas
as teorias do espiritismo, nem por isso contestamos a realidade dos fenômenos
que os espíritas invocam para apoio destas teorias; vamos nos explicar melhor
sobre este ponto. O que queremos dizer, é que não pretendemos contestar “a
priori” a realidade de nenhum fenômeno, desde que este fenômeno nos pareça
possível; e devemos admitir a possibilidade de tudo o que não seja
intrinsecamente absurdo, ou seja de tudo o que não implique nenhuma
contradição; em outros termos, admitimos em princípio tudo o que responde à
noção da possibilidade entendida num sentido que seja ao mesmo tempo
metafísico, lógico e matemático. Agora, quando se trata da realização de uma
possibilidade em um caso particular e definido, é preciso naturalmente
verificar outras condições: dizer que admitimos em princípio todos os fenômenos
de que se trata, não significa que aceitamos, sem mais exame, todos os exemplos
que são reportados com garantias mais ou menos sérias; mas não faremos a sua
crítica, o que é tarefa dos experimentadores, e, do ponto de vista em que nos
colocamos, isto pouco nos importa. Com efeito, a partir do momento em que um
certo gênero de fatos é possível, é sem interesse para nós que tal ou qual fato
particular relacionado seja verdadeiro ou falso; a única coisa que pode nos
interessar é saber como os fatos desta ordem podem ser explicados, e, se
tivermos disto uma explicação satisfatória, qualquer outra discussão nos parece
supérflua. Compreendemos bem que esta não é a atitude do sábio que amontoa
fatos para chegar a formar uma convicção, e que só conta com o resultado de
suas observações para edificar uma teoria; mas nosso ponto de vista está muito
distante disto, e de resto não achamos que os simples fatos possam realmente
servir de base para uma teoria, pois eles sempre podem ser explicados por
muitas teorias diferentes. Sabemos que os fatos em questão são possíveis,
porque podemos ligá-los a certos princípios que conhecemos; e, como esta
explicação não tem nada em comum com as teorias espíritas, temos o direito de
dizer que estes fenômenos e seu estudo são coisas absolutamente independentes
do espiritismo. Ademais, sabemos que tais fenômenos existem efetivamente;
temos, a este respeito, testemunhos que não poderiam ter sido influenciados
pelo espiritismo, alguns por lhe serem anteriores e outros por provirem de
meios aonde ele jamais penetrou, de países onde seu nome é tão desconhecido
como sua doutrina; os fenômenos, como já dissemos, nada tem de novo nem de
exclusivo ao espiritismo. Não temos assim nenhuma razão para colocar em dúvida
a existência desses fenômenos, mas ao contrário podemos vê-los como bem reais;
mas está claro que aqui se trata de sua simples existência, e de resto, para os
objetivos que nos propomos aqui, qualquer outra consideração é perfeitamente
inútil.
Se tomamos estas precauções e formulamos estas reservas, é
porque, sem falar nos relatos que foram inteiramente inventados por pessoas de
má fé e por razões de conveniência, inúmeros casos de fraudes já se produziram,
como o reconhecem os próprios espíritas (1); mas daí a sustentar que tudo não
passa de superstição há uma distância muito grande. Não entendemos porque os
que negam os fenômenos insistem tanto em que o fazem baseados nas fraudes
constatadas, acreditando ter aí um argumento sólido em seu favor; e entendemos
tanto menos na medida em que, como já dissemos (2), toda superstição é sempre
uma imitação da realidade; esta imitação pode ser mais ou menos deformada, mas
enfim só se pode simular algo que existe, e seria dar muito crédito aos
fraudadores achar que eles seriam capazes de realizar qualquer coisa inteiramente
nova, a que a imaginação humana nunca pudesse chegar. Além disso, existem nas
sessões espíritas fraudes de muitas categorias: o caso mais simples, mas não o
único, é o do médium profissional que, não podendo produzir fenômenos
autênticos por qualquer motivo, é levado a simulá-los por interesse; é por isso
que todo médium remunerado deve ser tido como suspeito e observado de perto;
até porque, independentemente de interesses, a própria vaidade pode incitar um
médium à fraude. Já aconteceu à maior parte dos médiuns, mesmo aos mais
reputados, serem pegos em flagrante delito; isto não prova que eles não possuam
faculdades reais, mas apenas que eles não as podem usar à vontade; os
espíritas, freqüentemente muito impulsivos, passam nestes casos de um extremo a
outro, acusando de modo absoluto como falsos médiuns aqueles que tiveram essa
desventura, mesmo que tenha sido uma só vez. Os médiuns não são santos, como
querem crer alguns espíritas fanáticos, que os cercam de um verdadeiro culto;
eles são doentes, o que é bem diferente, apesar das teorias absurdas de alguns
psicólogos contemporâneos. É preciso sempre elevar em conta este estado
anormal, que permite explicar fraudes de um outro gênero: o médium, como o
histérico, tem esta necessidade irresistível de mentir, mesmo sem razão, que
todos os hipnotizadores constatam em seus pacientes, não havendo porém aí mais
do que uma fraca responsabilidade, se é que há alguma; além disso, ele é
eminentemente apto, não apenas a se auto-sugestionar, mas também a sofrer as
sugestões de seu grupo, e a agir em conseqüência disto sem saber o que faz:
basta pedir-lhe a produção de um fenômeno determinado para que ele seja levado
a simulá-lo automaticamente (3). Assim, existem fraudes que são
semi-conscientes, e outras que são totalmente inconscientes, nas quais o médium
demonstra habilidades que ele está longe de possuir em seu estado normal; tudo
isto provém de uma psicologia anormal, que aliás nunca foi estudada como
deveria; muitas pessoas acham que existe, mesmo no domínio das simulações, um
objeto de pesquisa de grande interesse. Deixaremos agora de lado esta questão
da fraude, expressando nosso desgosto em ver que as concepções normais dos
psicólogos, bem como seus meios de investigação, sejam tão limitados, a ponto de
que coisas como as que mencionamos lhes escapem quase completamente, e que,
mesmo quando eles pretendem se ocupar delas, não tenham condição de compreender
praticamente nada.
Não somos os únicos a pensar que o estudo dos fenômenos
pode ser empreendido de modo absolutamente independente das teorias espíritas;
é esta também a opinião daqueles que se chamam “psiquistas”, que são ou
pretendem ser em geral experimentadores sem idéias preconcebidas (dizemos em
geral, porque também aí existem muitas distinções a fazer), e que inclusive
evitam formular quaisquer teorias. Conservamos os termos “psiquismo” e
“fenômenos psíquicos” porque são os mais empregados, e também porque não
existem outros melhores à disposição; mas eles não deixam de dar lugar a
algumas críticas: assim, com todo o rigor, “psíquico” e “psicológico” deveriam
ser perfeitamente sinônimos, e no entanto não é assim que eles são entendidos.
Os fenômenos ditos “psíquicos” estão inteiramente fora do domínio da psicologia
clássica, e, mesmo quando se supõe que eles tenham alguma relação com esta,
esta relação é muito longínqua; de resto, de nossa perspectiva, os
experimentadores iludem-se quando imaginam poder encaixar todos esses fatos
indistintamente no âmbito daquilo que se convencionou chamar de “psico-fisiologia”.
A verdade é que existem fatos de tipos muito diferentes, e que não podem ser
ligados a uma explicação única; mas a maior parte dos sábios não é tão
desprovida de idéias preconcebidas como se imagina, e, sobretudo quando se
trata de “especialistas”, há entre eles uma tendência a reduzir tudo ao objeto
de seus estudos particulares; isto equivale a dizer que as conclusões dos
“psiquistas”, quando eles as fornecem, só devem ser aceitas a título de
inventário. As próprias observações podem ser afetadas por pré-julgamentos; os
praticantes das ciências experimentais costumam ter idéias muito próprias a
respeito do que é possível e do que não é, e, com a maior boa fé do mundo,
obrigam os fatos a concordar com suas idéias; por outro lado, aqueles mesmos
que são os maiores opositores das teorias espíritas podem, malgrado sua
vontade, sofrer em certa medida a influência do espiritismo. Como quer que
seja, é certo que os fenômenos de que se trata podem ser objeto de uma ciência
experimental como qualquer outra, diferente das demais sem dúvida, mas da mesma
ordem, e com a mesma importância e interesse; não vemos porque alguns
qualificam os esses fenômenos de “transcendentes” ou de “transcendentais”, o
que é um pouco ridículo (4). Esta última observação leva a outra: é que a
denominação de “psiquismo”, malgrado seus inconvenientes, é em todo caso
preferível à de “metapsíquica”, inventada pelo Dr. Charles Richet e logo
adotada pelo Dr. Gustave Geley e alguns outros; “metapsíquica”, com efeito,
parece ser uma palavra calcada em “metafísica”, o que não se justifica por
nenhuma analogia (5). Qualquer que seja
a opinião que se tenha sobre a natureza e a causa dos fenômenos em questão,
podemos vê-los como “psíquicos”, tanto mais que este termo ganhou um sentido
bastante vago entre os modernos, e não como sendo “além do psíquico”: alguns,
ao contrário, estão aquém; por outro lado, o estudo de não importa qual
fenômeno fará sempre parte da “física” no sentido geral em que a entendiam os
antigos, ou seja como o conhecimento da natureza, sem nenhuma relação com a
metafísica, que é o que está “além da natureza” e portanto além de toda
experiência possível. Não há nada que possa estar em paralelo com a metafísica,
e todos os que sabem verdadeiramente o que ela é só podem protestar
energicamente contra estas assimilações; mas é verdade que, hoje em dia, nem os
filósofos nem os sábios parecem ter mais nenhuma idéia do que se trata
realmente.
Dissemos que existem muitas espécies de fenômenos
psíquicos, e acrescentaremos, a respeito, que o domínio do psiquismo nos parece
susceptível de estender-se a outros fenômenos que não os do espiritismo. É
verdade que os espíritas são extremamente invasivos: eles se esforçam em
explorar em proveito de suas idéias uma quantidade de fatos que deveriam
permanecer fora de sua alçada, por não serem provocados por suas práticas e por
não ter nenhuma relação direta ou indireta com suas teorias, pois não se pode
fazer intervir em tudo os “espíritos dos mortos”: sem falar nos “fenômenos
místicos”, no sentido próprio e teológico desta expressão, fenômenos que de
resto escapam totalmente à competência dos comum dos sábios, citaremos apenas
os fatos que costumam ser reunidos sob o nome de “telepatia”, e que são
incontestavelmente manifestações de seres atualmente vivos (6). As
inacreditáveis pretensões dos espíritas em anexar as coisas mais diversas
contribuem para criar e manter no público muitas confusões: já vimos em muitas
ocasiões pessoas confundirem o espiritismo com o magnetismo e mesmo com o hipnotismo;
isso não aconteceria com tanta freqüência se os espíritas não se metessem com
fatos que não lhes dizem respeito absolutamente. A bem dizer, dentre os
fenômenos que se produzem nas sessões espíritas, existem alguns que provém
efetivamente do magnetismo ou do hipnotismo, e nos quais o médium comporta-se
como sonâmbulo; estamos aludindo principalmente ao fenômeno que os espíritas
denominam “encarnação”, e que não passam de casos de “estados segundos”,
impropriamente chamados de “múltiplas personalidades”, que se manifestam
freqüentemente também em doentes e pessoas hipnotizadas; mas, naturalmente, a
interpretação espírita é completamente diferente. A sugestão desempenha
igualmente um papel importante em tudo isso, e tudo o que é sugestão e
transmissão de pensamento liga-se evidentemente ao magnetismo ou ao hipnotismo
(não vamos insistir sobre a distinção que é preciso fazer entre estas duas
coisas, que aliás é bem difícil de precisar, e afinal pouco importa aqui); mas,
a partir do momento em que um fenômeno cai neste campo, o espiritismo já não
tem mais nada a dizer. Ao contrário, não vemos inconveniente em que estes
fenômenos sejam ligados ao psiquismo, cujos limites são bastante indecisos e
mal definidos; talvez o ponto de vista dos experimentadores modernos não se
oponha a que se trate como uma ciência única aquilo que seria objeto de muitas
ciências distintas para aqueles que as estudam de outro modo, e que, digamo-lo
claramente, sabem melhor do que se trata em realidade.
Isso nos conduz a falar um pouco a respeito das
dificuldades do psiquismo: se os sábios não chegam, neste domínio, a obter
resultados seguros e satisfatórios, não é só por manejarem forças que conhecem
mal, mas sobretudo porque estas forças não agem do mesmo modo como aquelas que
estão habituados a manipular, e porque elas não podem ser submetidas aos
métodos de observação que funcionam com estas últimas. Com efeito, os sábios
não podem vangloriar-se de conhecer com certeza a verdadeira natureza da
eletricidade, por exemplo, e no entanto isto não os impede de estudá-la do seu
ponto de vista “fenomenista”, nem de utilizá-la sob o aspecto das aplicações
práticas; é preciso então que, no caso que nos ocupa, haja algo além desta
ignorância com a qual os experimentadores resignam-se tão facilmente. O que
importa lembrar, é que a competência de um “especialista” é qualquer coisa de
muito limitada; fora de seu domínio habitual, ele não pode reivindicar uma
autoridade maior do que a de qualquer um, e, seja qual for o seu valor, ele não
terá mais vantagens do que a que lhe pode dar o hábito de uma certa precisão em
suas observações; e mesmo esta vantagem não compensaria totalmente certas
deformações profissionais. É por isso que as experiências psíquicas de Crookes,
para tomarmos um dos exemplos mais conhecidos, não tem a nossos olhos a
importância excepcional que muitos se sentem obrigados em lhes atribuir;
reconhecemos de bom grado a competência de Crookes em química e física, mas não
vemos razão para estendê-la a uma ordem completamente diferente. Os mais sérios
títulos científicos não garantem sequer os experimentadores contra os acidentes
mais vulgares, como deixar-se simplesmente enganar por um médium: isto
possivelmente aconteceu a Crookes; certamente aconteceu ao Dr. Gibier, e as
famosas histórias da vila Carmem, em Alger, são pouco lisonjeiras à sua
perspicácia. De resto, tudo isto é desculpável, pois essas coisas são próprias
a derrotar um físico ou um fisiologista, e até mesmo um psicólogo; e, devido a
um grosseiro efeito da especialização, nada é mais ingênuo e indefeso do que
certos sábios quando são colocados fora de sua esfera habitual: não conhecemos
exemplo melhor disto do que a fantástica coleção de autógrafos que o célebre
falsário Vrain-Lucas fez aceitar como autênticos pelo matemático Michel
Chasles; nenhum psiquista atingiu até agora semelhante grau de extravagante
credulidade (7).
Mas não é só diante das fraudes que os experimentadores se
vêem desarmados, na falta de um melhor conhecimento da psicologia especial dos
médiuns e de outros pacientes a que eles recorrem; eles estão também expostos a
outros perigos. Em primeiro lugar, quanto ao modo de conduzir experimentos tão
diferentes daqueles a que estão acostumados, estes sábios são mergulhados em
grandes embaraços, ainda que não o reconheçam; assim, eles não compreendem que
existem fatos que não podem ser reproduzidos à vontade, e que estes fatos sejam
entretanto tão reais como todos os outros; eles pretendem também impor
condições arbitrárias ou impossíveis, como exigir a produção em plena luz de
fenômenos para os quais a escuridão pode ser indispensável; eles ririam
certamente, e com todo direito, do ignorante que, no domínio das ciências
físico-químicas, demonstrasse tamanho desconhecimento de todas as leis e
pretendesse entretanto observar alguma coisa a todo custo. Ademais, de um ponto
de vista mais teórico, estes mesmos sábios costumam desprezar os limites da
experimentação, exigindo o que ela não pode dar; como eles dedicam-se a ela
exclusivamente, imaginam de boa vontade que ela é a única fonte de todo
conhecimento possível; e, de resto, um especialista está pior colocado do que
qualquer outro para apreciar os limites além dos quais seus métodos habituais
cessam de ter validade. Enfim, o mais grave é o seguinte: é sempre extremamente
imprudente, como já dissemos, colocar em jogo forças das quais se ignora tudo;
ora, a este respeito, os psiquistas mais “científicos” não tem grande vantagem
sobre os espíritas vulgares. Existem coisas com as quais não se mexe
impunemente, quando não se tem a diretriz doutrinal necessária para evitar
extravio; nunca é demais repetir isto, tanto mais que, neste domínio, uma tal
desorientação é um dos efeitos mais comuns e mais funestos das forças sobre as
quais se experimenta; o número de pessoas que aí perderam a razão prova-o
suficientemente. Ora, a ciência comum é absolutamente incapaz de fornecer a
menor diretriz doutrinal, e não é raro encontrar psiquistas que, sem chegar a
enlouquecer propriamente, perderam-se entretanto da maneira mais deplorável:
colocamos neste caso todos aqueles que, após terem iniciado com intenções
puramente “científicas”, acabaram por serem “convertidos” ao espiritismo mais
ou menos completamente, e mais ou menos abertamente. Diremos mais: já é
vexatório, para homens que deveriam saber refletir, a simples admissão da
possibilidade da hipótese espírita, e no entanto existem sábios (diríamos mesmo
que quase todos) que não vêem porque não admiti-la, e que, mesmo descartando-a
“a priori”, tem medo de faltar com a imparcialidade a que se agarram; eles não
acreditam nelas, bem entendido, mas não a rejeitam de modo absoluto,
mantendo-se na reserva, numa atitude de dúvida pura e simples, tão distante da
negação quanto da afirmação. Infelizmente, existem muitas chances de que aquele
que aborda os estudos psíquicos com esta disposição escorregue
imperceptivelmente para o lado espírita, mais do que para o lado oposto; em
primeiro lugar, sua mentalidade tem ao menos um ponto em comum com a dos
espíritas, na medida em que é essencialmente “fenomenista” (não tomamos este
termo no sentido em que ele é aplicado a uma teoria filosófica, mas designamos
simplesmente com isto essa espécie de superstição do fenômeno que faz o fundo
do espírito “científico”); em seguida, existe a própria influência do meio
espírita, com o qual o psiquista vai entrar necessariamente em contato ainda
que indireto, nem que seja por intermédio dos médiuns com os quais irá
trabalhar, e este meio é um espantoso cadinho de sugestão coletiva e recíproca.
O experimentador incontestavelmente sugestiona o médium, o que falsifica os
resultados se ele tiver a menor idéia preconcebida , por obscura que seja; mas,
sem se dar conta, ele é talvez sugestionado por aquele; e isto não seria nada
se só existisse o médium, mas existem também todas as influências que este
carrega consigo, e das quais o mínimo que se pode dizer é que são eminentemente
malsãs. O psiquista, nestas condições, vai se ver à mercê de um incidente
qualquer, normalmente de ordem sentimental: a Lombroso, Eusapia Paladino ver
aparecer o fantasma de sua mãe; Sir Oliver Lodge recebeu “comunicações” de seu
filho morto na guerra; não é preciso mais para determinar as “conversões”.
Estes casos são talvez mais freqüentes do que se imagina, pois existem
certamente muitos sábios que, para não se colocar em descordo com seu passado,
não ousam confessar sua “evolução” dizendo-se francamente espíritas, nem mesmo
manifestar simplesmente pelo espiritismo uma simpatia mais acentuada. Existem
mesmo alguns que não gostam que se saiba que se ocupam de estudos psíquicos,
como se isto fosse diminuí-los aos olhos de seus confrades e do público, mais
acostumados a assimilar essas coisas ao espiritismo; é assim que Mme. Curie e
M. d’Arsonval, por exemplo, esconderam durante muito tempo que se dedicavam a
este gênero de experimentos. É curioso citar a propósito estas linhas de um
artigo da Revue Scientifique
consagrado ao livro do Dr. Gibier a que nos referimos: “O Dr. Gibier chama para
si a formação de uma sociedade para estudar este novo ramo da fisiologia
psicológica, e parece crer que seja ele o único, senão o primeiro dentre os
sábios competentes, a interessar-se por esta questão. Que ele fique tranqüilo e
satisfeito. Um certo número de pesquisadores muito competentes, os mesmos que
começaram pelo princípio e já colocaram uma certa ordem na confusão do
sobrenatural (sic), ocupam-se desta
questão e continuam sua obra... sem entreter o público” (8). Semelhante atitude
é verdadeiramente espantosa entre pessoas que, de ordinário, tanto amam a publicidade,
e que proclamam sem cessar que tudo aquilo de que eles se ocupam pode e deve
ser divulgado tão amplamente quanto possível. Acrescentemos que o diretor da Revue Scientifique, nesta época, era o
Dr. Richet; este, ao menos, não se manteve sempre fechado dentro desta prudente
reserva.
Existe ainda uma outra observação que convém fazer: é que
certos psiquistas, sem serem suspeitos de ligação com o espiritismo, possuem
singulares afinidades com o “neo-espiritualismo” em geral, ou com uma ou outra
das suas escolas; os teosofistas, em particular, vangloriam-se de ter atraído
muitos aos seus quadros, e um de seus órgãos assegurava outrora “que todos os
sábios que se ocuparam do espiritismo e que são citados como clássicos, não
chegaram todos a crer no espiritismo (com exceção de um ou dois), que quase
todos deram interpretações que se aproximam das dos teosofistas, e que os mais
célebres são membros da Sociedade Teosófica” (9). É certo que os espíritas
reivindicam com muita facilidade como sendo dos seus todos aqueles que se
misturaram de perto ou de longe com seus estudos e que não são seus adversários
declarados; mas os teosofistas, por seu lado, são talvez demasiadamente prontos
a divulgar certas adesões que nunca tiveram nada de definitivo; eles deveriam
no entanto ter na memória o exemplo de Myers e de diversos outros membros da
Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, assim como o do Dr. Richet, que
apenas passou pela organização, e que esteve entre os primeiros que, na França,
fizeram eco à denúncia das artimanhas de Mme. Blavatsky pela dita Sociedade de
Pesquisas Psíquicas (10). Seja como for, a frase que citamos continha talvez
uma alusão a Flammarion, que foi entretanto sempre mais próximo do espiritismo
do que de qualquer outra concepção; ela também apontava certamente para William
Crookes, que foi efetivamente aderente da Sociedade Teosófica em 1883, e que
foi inclusive membro do Conselho Diretor da London
Lodge. Quanto ao Dr. Richet, seu papel no movimento “pacifista” mostra que
ele sempre guardou algo em comum com os “neo-espiritualistas”, dentre os quais
as tendências humanitárias afirmam-se ruidosamente; para quem está ao corrente
destes movimentos, coincidências como estas constituem um sinal bem mais claro
e mais característico do que muitos poderão crer. Dentro da mesma ordem de
idéias, já fizemos alusão às tendências anti-católicas de certos psiquistas
como o Dr. Gibier; nós poderíamos mesmo, a respeito deste, falar mais
genericamente em tendências anti-religiosas, a menos que se trate desta
“religião leiga”, segundo a expressão de Charles Fauvety, um dos primeiros
apóstolos do espiritismo francês; eis, com efeito, algumas linhas que extraímos
de sua conclusão, e que são um exemplo bastante de suas declamações: “Nós temos
fé na ciência e cremos firmemente que ela libertará para sempre a humanidade do parasitismo de
todas as espécies de brahmes (o autor quer dizer sacerdotes), e que a religião,
ou antes a moral tornada científica, será representada, um dia, por uma seção
própria nas academias de ciências do futuro” (11). Não queríamos insistir sobre
estas asneiras, que infelizmente não são inofensivas; haveria entretanto um
interessante estudo a fazer sobre a mentalidade das pessoas que invocam assim a
“Ciência” por qualquer motivo, e que pretendem misturá-la ao que há de mais
estranho ao seu domínio; esta é mais uma das formas que o desequilíbrio
intelectual toma entre nossos contemporâneos, e que talvez sejam mais
próximas umas das outras do que se imagina:
não existe uma “misticismo científico”, diríamos até um “misticismo
materialista”, que são, tanto quanto as aberrações “neo-espiritualistas”,
evidentes desvios do sentimento religioso (12)?
Tudo o que dissemos dos sábios, podemos dizer também dos
filósofos que também se ocupam do psiquismo; eles são muito menos numerosos,
mas enfim existem. Já tivemos ocasião (13) de mencionar o caso de William
James, que, no fim da vida, manifestou tendências pronunciadas pelo
espiritismo; é necessário insistir nisso, tanto mais que alguns consideraram
“um pouco pesado” o termos qualificado este filósofo como espírita e sobretudo
como “satanista inconsciente”. A este respeito, advertiremos inicialmente
nossos eventuais contraditores que possuímos guardadas coisas ainda mais
“pesadas”, o que não as impede de serem rigorosamente verdadeiras; e de resto,
se eles soubessem o que pensamos da imensa maioria dos filósofos modernos, os
admiradores do que se convencionou chamar “grandes homens” ficariam sem dúvida
espantados. Sobre aquilo que chamamos “satanismo inconsciente”, nós nos
explicaremos mais tarde; mas, quanto ao espiritismo de William James, seria
preciso lembrar que isto só aconteceu no seu último período (que chamaríamos de
“florescimento final”), pois as idéias deste filósofo variaram prodigiosamente.
Mas há um fato inconteste: é que William James prometeu fazer, após sua morte,
tudo o que lhe fosse possível para comunicar-se com seus amigos ou outros
experimentadores; esta promessa, feita certamente “no interesse da ciência”,
prova que ele admitia a possibilidade da hipótese espírita (14), coisa grave
para um filósofo (ou que deveria ser grave se a filosofia fosse o que ela
deveria ser), e temos razões para supor que ele foi ainda mais longe neste
sentido; não é preciso dizer, de resto, que uma multidão de médiuns americanos
registraram “mensagens” assinadas por ele. Esta história nos lembra a de outro
americano não menos ilustre, o inventor Edison, que recentemente pretendia
haver descoberto uma maneira de se comunicar com os mortos (14); não sabemos os
desdobramentos disso, pois um grande silêncio foi feito, mas não temos dúvidas
dos resultados; este episódio é instrutivo para mostrar que os sábios mais
incontestáveis, e que diríamos os mais “positivos”, não estão ao abrigo do
contágio espírita. Mas voltemos aos filósofos: ao lado de William James,
havíamos mencionado Bergson; quanto a este, nós nos contentaremos de
reproduzir, por tão significativa, a frase que citamos então: “Seria uma grande
coisa poder estabelecer sobre o terreno da experiência a probabilidade da
sobrevivência por um tempo x” (15).
Esta declaração é no mínimo inquietante, e prova que seu autor, já tão perto
das idéias “neo-espiritualistas” por mais de um lado, engajou-se numa senda bem
perigosa, o que lamentamos, principalmente por aqueles que, nele depositando
sua confiança, arriscam-se a perder o rumo em seguida. Decididamente, para
prevenir-se contra os piores absurdos, a filosofia não vale mais do que a
ciência, pois ela não é capaz, não diremos de provar (sabemos que isto seria
pedir demais), mas de fazer compreender ou apenas pressentir, por confusamente
que seja, que a hipótese espírita é uma impossibilidade pura e simples.
Nós poderíamos dar muitos outros exemplos, tanto mais que,
mesmo deixando de lado aqueles que são mais ou menos suspeitos de espiritismo,
os psiquistas com tendências “neo-espiritualistas” parecem estar em maior
número; na França, é sobretudo o ocultismo,
no sentido que definimos no capítulo anterior, que mais influenciou a
maior pare deles. Assim, as teorias do dr. Grasset, que no entanto é católico,
apresentam certas relações com as do ocultismo; as do Dr. Durand de Gros, do
Dr. Dupouy, do Dr. Baraduc, do coronel de Rochas, aproximam-se ainda mais. Nós
apenas citamos alguns nomes tomados ao acaso; quanto a fornecer os textos
justificativos, não seria difícil, mas não podemos fazê-lo aqui sem nos
afastarmos demasiado do nosso objeto. Ficaremos apenas com essas constatações,
indagando se tudo isso não se explica por ser o psiquismo um domínio mal
conhecido e mal definido, ou se não seria, dados tantos casos concordantes, o
resultado inevitável de investigações temerárias conduzidas, neste domínio mais
temível que qualquer outro, por pessoas que ignoram até as mais elementares
precauções a tomar para abordá-lo com segurança. Para concluir, acrescentaremos
apenas o seguinte: com todo o direito, o psiquismo é inteiramente independente,
não apenas do espiritismo, mas também de toda sorte de “neo-espiritualismo”, e
mesmo, se ele se pretende puramente experimental, de toda e qualquer teoria; de
fato, os psiquistas são mais freqüentemente ao mesmo tempo
“neo-espiritualistas” mais ou menos conscientes e mais ou menos confessos, e
este estado de coisas é tão mais lamentável na medida em que coloca seus
estudos, aos olhos de pessoas sérias e inteligentes, num descrédito que acabará
por deixar o campo livre para os charlatões e os desequilibrados.
NOTAS
1. O médium Dunglas Home
encarregou-se, de modo bem pouco gentil para com seus colegas, de denunciar e
explicar um grande número de fraudes (Les
Lumières et les Ombres du Spiritualisme, pgs. 186-235)
2. Le Théosophisme, pgs. 50-52.
3. Lembraremos também o caso
dos falsos médiuns que, conscientemente ou não, e provavelmente sob a
influência ao menos parcial de uma sugestão, parecem ter sido instrumentos de
uma ação muito misteriosa; a este propósito, remeteremos ao que dissemos das
manifestações do pretenso “John King” ao expormos as origens do teosofismo.
4. Existe até uma “Sociedade de
estudos de fotografia transcendental”, fundada por Emmanuel Vauchez e presidida
pelo Dr. Foveau de Courmelles, que tem por objetivo “encorajar e recompensar os
fotógrafos dos seres e das radiações do espaço”; é curioso ver como certas
palavras podem ser distorcidas em relação ao seu sentido normal.
5. Recentemente o Dr. Richet,
ao apresentar seu Traité de Métapsychique
à Academia de Ciências, declarou textualmente: “Como Aristóteles, acima da
física, introduziu a metafísica, acima da psique, eu apresento a metapsique”.
Dificilmente se poderia ser mais modesto!
6.
Um grande número destes fatos foram reunidos por Gurney, Myers e
Podmore, membros da Sociedade de Pesquisas Psíquicas de Londres, numa obra
intitulada Phantasms of the Living.
Existe uma tradução francesa desta obra, mas o tradutor achou de lhe dar o
título bizarro de Les Hallucinations
Télépathiques, que está em total desacordo com a intenção dos autores, pois
se trata de fenômenos reais, e que revela curiosamente a estreiteza de visão da
ciência oficial.
7. Henri Poincaré, mais
prudente que outros, ou mais consciente de sua falta de preparo, recusou-se a
tentar uma experiência com Eusapia Paladino, coma certeza prévia, conforme ele
escreveu, “de que seria enrolado” (artigo de Philippe Pagnant em Les Entretiens
Idéalistes, junho de 1914, pg. 387).
8. Revue Scientifique, 13 de
Novembro de 1886, pgs. 631-632.
9. Le Lotus, outubro de 1887.
10. Numa carta que citamos em
outra parte (Le Théosofisme, pg. 74), o Dr. Richet diz que ele conheceu Mme.
Blavatsky por intermédio de Mme. de Barrau; a mesma pessoa desempenhou também
um certo papel junto ao Dr. Gibier, como vemos por esta nota que vem na
seqüência de um elogio do “grande e consciencioso sábio” Burnouf: “Devemos
também uma menção especial à obra considerável de Louis Leblois, de Strasbourg,
cujo conhecimento devemos a uma dama de grande mérito, Mme. Caroline de Barrau,
mãe de um dos antigos alunos, hoje nosso amigo, o Dr. Emile de Barrau” (Le Spiritisme, pg. 110). A obra de
Leblois, intitulada Les Bibles et les
Initiateurs religieux de l’humanité, contribuiu, como as de Jacolliot, a
inculcar no Dr. Gibier as falsas idéias que ele expressou sobre a Índia e suas
doutrinas, e que assinalamos precedentemente.
11. Le Spiritisme, pg. 383.
12. A “religião da Humanidade”,
inventada por Augusto Comte.
13. Esta atitude foi também a de um filósofo universitário
francês, Emile Boirac, que, numa comunicação intitulada L’Étude scientifique du spiritisme, apresentada ao “Congresso de
Psicologia Experimental” de 1911, declarou que a hipótese espírita representava
“uma das explicações filosóficas possíveis dos fatos psíquicos”, e que não se
podia rejeitá-la a priori como
“anti-científica”; ela talvez não seja nem anti-científica nem anti-filosófica,
mas ela é certamente anti-metafísica, o que é muito mais grave e mais decisivo.
14. Já faz algum tempo que dois
espíritas holandeses, os senhores Zaalberg van Zelst e Matla, construíram um
“dinamistógrafo” ou “aparelho destinado à comunicação com o além sem médium” (Le Monde Psychique, março de 1912).
15. L ‘Energie Spirituelle.
VII
A EXPLICAÇÃO DOS
FENÔMENOS
Embora não seja nossa intenção estudar especialmente os
fenômenos do espiritismo, devemos falar ao menos sumariamente sobre sua
explicação, nem que seja para mostrar que se pode perfeitamente dispensar a
hipótese espírita, antes de levantar contra ela razões mais decisivas.
Lembramos que não é uma ordem lógica a que estamos seguindo: existem, além de
toda consideração relativa aos fenômenos, razões plenamente suficientes para
rejeitar de modo absoluto esta hipótese; uma vez demonstrada esta impossibilidade,
é preciso, na falta de uma explicação pronta para os fenômenos, começar a
procurar alguma. Entretanto, como a mentalidade de nossa época é toda voltada
para o lado experimental, estará mais apta, na maior parte dos casos, a admitir
que uma teoria é impossível e a examinar sem preconceitos as provas que lhes
são exibidas, se primeiro ficar demonstrado que ela é inútil, e que existem
outras teorias susceptíveis de substituí-la vantajosamente. Por outro lado,
convém dizer antes de mais nada que muitos dos fatos em questão, senão todos,
não se enquadram no campo das ciências ordinárias, não cabem dentro dos
estreitos limites que os modernos atribuíram a estas, e são, em particular,
totalmente alheios ao domínio da fisiologia e da psicologia clássica, contrariamente
ao que pensam certos psiquistas que se iludem grandemente a respeito. Como nós
não temos nenhum dos preconceitos da ciência oficial, não cremos ter de nos
desculpar pela aparente estranheza de algumas considerações que se seguirão;
mas é bom prevenir aqueles que, em razão dos hábitos adquiridos, poderão
achá-las por demais extraordinárias. Isso tudo, repetimos, não quer dizer que
atribuamos aos fenômenos psíquicos o menor caráter “transcendente”; de resto,
nenhum fenômeno, de qualquer espécie que seja, não possui em si mesmo um tal
caráter, mas isto não impede que existam muitos que escapam aos meios de ação
da ciência ocidental moderna, que não é tão “avançada” como crêem seus
admiradores, ou pelo menos só o é em alguns pontos muito específicos. A própria
magia, pelo fato de ser uma ciência experimental, não tem absolutamente nada de
“transcendente”; o que pode ser visto como tal, é a “teurgia”, cujos efeitos, mesmo quando se parecem com os da magia, são devidos a causas completamente diferentes; e é precisamente a causa, e não o fenômeno que ela produz, que é de ordem transcendente. Para melhor compreensão, vamos nos permitir uma analogia com a doutrina católica (falamos apenas de analogia e não de assimilação, pois não nos colocamos do ponto de vista teológico): existem fenômenos, em tudo semelhantes exteriormente, que foram constatados entre santos e entre feiticeiros; ora, está claro que é apenas no primeiro caso que se pode atribuir um caráter “milagroso” e propriamente “sobrenatural”; no segundo caso, eles podem quando muito ser chamados de “proto-naturais”; assim, se os fenômenos são idênticos, é porque a diferença não reside na sua natureza, mas unicamente na sua causa, e é apenas a partir do “modo” e das “circunstâncias” que tais fenômenos adquirem seu caráter sobrenatural. Não é preciso dizer que, quando se trata de psiquismo, nenhuma causa transcendente poderá intervir, sejam os fenômenos provocados comumente pelos espíritas ou fenômenos magnéticos ou hipnóticos, e todos aqueles que lhes são mais ou menos conexos; não vamos portanto nos ocupar aqui de coisas de ordem transcendente, o que quer dizer que existem questões, como as relativas aos “fenômenos místicos” por exemplo, que podem permanecer totalmente fora das explicações que vamos fornecer. Por outro lado, não vamos examinar todos os fenômenos psíquicos indistintamente, mas apenas aqueles que tem alguma relação com o espiritismo; nós poderíamos ainda, dentre estes últimos, deixar de lado aqueles que, como os produzidos pelos “médiuns curadores”, ligam-se realmente, seja à sugestão, seja ao magnetismo propriamente dito, pois é evidente que eles se explicam suficientemente sem precisar da hipótese espírita. Não queremos dizer que não hajam dificuldades na explicação dos fatos desta ordem, mas os espíritas não podem pretender apossar-se de todo o domínio do hipnotismo e do magnetismo; de resto, é possível que estes fatos possam ser algo melhor esclarecidos a partir das indicações que daremos a propósito dos outros.
“transcendente”; o que pode ser visto como tal, é a “teurgia”, cujos efeitos, mesmo quando se parecem com os da magia, são devidos a causas completamente diferentes; e é precisamente a causa, e não o fenômeno que ela produz, que é de ordem transcendente. Para melhor compreensão, vamos nos permitir uma analogia com a doutrina católica (falamos apenas de analogia e não de assimilação, pois não nos colocamos do ponto de vista teológico): existem fenômenos, em tudo semelhantes exteriormente, que foram constatados entre santos e entre feiticeiros; ora, está claro que é apenas no primeiro caso que se pode atribuir um caráter “milagroso” e propriamente “sobrenatural”; no segundo caso, eles podem quando muito ser chamados de “proto-naturais”; assim, se os fenômenos são idênticos, é porque a diferença não reside na sua natureza, mas unicamente na sua causa, e é apenas a partir do “modo” e das “circunstâncias” que tais fenômenos adquirem seu caráter sobrenatural. Não é preciso dizer que, quando se trata de psiquismo, nenhuma causa transcendente poderá intervir, sejam os fenômenos provocados comumente pelos espíritas ou fenômenos magnéticos ou hipnóticos, e todos aqueles que lhes são mais ou menos conexos; não vamos portanto nos ocupar aqui de coisas de ordem transcendente, o que quer dizer que existem questões, como as relativas aos “fenômenos místicos” por exemplo, que podem permanecer totalmente fora das explicações que vamos fornecer. Por outro lado, não vamos examinar todos os fenômenos psíquicos indistintamente, mas apenas aqueles que tem alguma relação com o espiritismo; nós poderíamos ainda, dentre estes últimos, deixar de lado aqueles que, como os produzidos pelos “médiuns curadores”, ligam-se realmente, seja à sugestão, seja ao magnetismo propriamente dito, pois é evidente que eles se explicam suficientemente sem precisar da hipótese espírita. Não queremos dizer que não hajam dificuldades na explicação dos fatos desta ordem, mas os espíritas não podem pretender apossar-se de todo o domínio do hipnotismo e do magnetismo; de resto, é possível que estes fatos possam ser algo melhor esclarecidos a partir das indicações que daremos a propósito dos outros.
Após estas observações gerais, indispensáveis para colocar
e delimitar a questão como se deve, podemos lembrar as principais teorias que
foram desenvolvidas para explicar os fenômenos do espiritismo; existe um grande
número delas, mas o Dr. Gibier considerou poder agrupá-las em quatro grupos
(1); sua classificação não é perfeita, longe disto, mas ela serve de ponto de
partida. A primeira, que ele chama “teoria do ente coletivo”, poderia ser
definida assim: “Um fluido especial emana da pessoa do médium, combina-se com o
fluido das pessoas presentes para constituir um personagem novo, temporário,
independente numa certa medida, e produzindo os fenômenos conhecidos”. Em
seguida vem a teoria “demoníaca”, segundo a qual “tudo é produzido pelo diabo e
seus prepostos”, e que equivale em suma a assimilar o espiritismo à feitiçaria.
Em terceiro lugar, vem uma teoria que o Dr. Gibier chama bizarramente de
“gnômica”, segundo a qual “existe uma categoria de seres, um mundo imaterial,
vivendo ao nosso lado e que manifesta sua presença em certas condições:
trata-se dos seres que foram conhecidos através dos tempos como gênios, fadas,
silvanos, duendes, gnomos, diabretes, etc.”; não sabemos porque ele escolheu os
gnomos para dar nome a esta teoria, à qual ele liga a dos teosofistas
(atribuindo-a falsamente ao Budismo), que atribui os fenômenos aos
“elementais”. Enfim, há a teoria espírita, segundo a qual “todas estas
manifestações são devidas aos espíritos ou almas dos mortos, que se colocam em
relação com os vivos, manifestando aí suas qualidades e seus defeitos, sua
superioridade ou inferioridade como se vivessem ainda”. Cada uma destas
teorias, salvo a do espiritismo que é absurda, pode conter uma parte de verdade
e explicar de fato, não todos os fenômenos, mas alguns dentre eles; o erro de
seus respectivos partidários é sobretudo o de serem demasiado exclusivos e tudo
querer explicar por uma teoria única. Quanto a nós, não pensamos que todos os
fenômenos sem exceção devam necessariamente ser explicados por uma ou outra
destas teorias, pois existem omissões e confusões na listagem; de resto, não
estamos entre aqueles que consideram que a simplicidade de uma explicação seja
garantia de sua veracidade; podemos querer que as coisas sejam assim, mas elas
não estão obrigadas a se conformar aos nossos desejos, e nada prova que elas
devam ser organizadas do modo mais cômodo ou mais próprio a facilitar nossa
compreensão; um tal “antropocentrismo”, entre muitos sábios e filósofos, supõe
realmente algumas ilusões bastante ingênuas.
A teoria “demoníaca” tem o dom de colocar especialmente em
fúria tanto os espíritas como os “cientistas”, uns e outros igualmente
alardeando não acreditar no demônio; para os espíritas, parece que não deve
haver no “mundo invisível” outra coisa senão seres humanos, o que é a limitação
mais inacreditavelmente arbitrária que se pode imaginar. Como iremos nos
explicar mais adiante a respeito do “satanismo”, não insistiremos agora sobre o
ponto; apenas observaremos que a oposição a esta teoria, que não é menor entre
os ocultistas do que entre os espíritas, é menos compreensível naqueles, porque
eles admitem a existência de seres muito variados, o que prova que suas
concepções são menos limitadas. Deste ponto de vista, a teoria “demoníaca”
poderia ser associada de certo modo à que o Dr. Gibier chama “gnômica”, pois,
num caso como no outro, trata-se de uma ação exercida por seres não-humanos; em
princípio, nada há a opor, não só a que existam tais seres, como também que sejam tão diversificados quanto
possível. É certo que, dentre quase todos os povos e em todas as épocas,
falou-se de seres como os que o Dr. Gibier menciona, e isto não é sem razão,
pois, quaisquer que sejam os nomes que lhes são dados, o que é dito de seu modo
de agir concorda admiravelmente; apenas não achamos que eles possam ser vistos
como propriamente “imateriais”, e de resto a questão, sob este aspecto, não se
colocaria do mesmo modo para os antigos, pois as próprias noções de “matéria” e
de “espírito” mudaram muito de significado. Por outro lado, o modo como estes
seres são “personificados” liga-se sobretudo às concepções populares, que
revestem a verdade mais do que exprimem, e que correspondem antes às aparências
manifestadas do que à realidade profunda; e é este mesmo “antropomorfismo”, de
origem totalmente exotérica, que podemos condenar também na teoria dos
“elementais”, que deriva da precedente, como uma espécie de forma modernizada.
De fato, os “elementais”, no sentido original do termo, não são outra coisa que
os “espíritos dos elementos”, que a antiga magia dividia em quatro categorias:
salamandras ou espíritos do fogo, silfos ou espíritos do ar, ondinas ou
espíritos da água, gnomos ou espíritos da terra; bem entendido, o termo
“espíritos” não era tomado no sentido dos espíritas, mas designava seres sutis,
dotados apenas de uma existência temporária, e que não tinham nada de
“espiritual” no sentido filosófico moderno; ainda aí o que temos é a expressão
exotérica de uma teoria, sobre cujo verdadeiro sentido voltaremos mais adiante.
Os teosofistas deram uma grande importância aos “elementais”; já vimos que Mme.
Blavatsky provavelmente tirou a idéia de George H. Felt, membro da H.B.ofL.,
que a atribuía de forma inteiramente gratuita aos antigos egípcios. Daí para
frente, esta teoria foi mais ou menos estendida e modificada, tanto pelos
próprios teosofistas quanto pelos ocultistas franceses, que evidentemente a
emprestaram deles, embora não o reconheçam; de resto, ela é daquelas teorias
sobre as quais as idéias destas escolas nunca ficaram bem fixadas, e não somos
nós que iremos tentar conciliar tudo o que já foi dito dos “elementais”. A
maioria dos teosofistas e dos ocultistas agarra-se à concepção mais
grosseiramente antropomórfica; mas existem aqueles que quiseram dar à teoria
ares mais “científicos”, e que, sem possuir nenhum dado tradicional que pudesse
lhe restituir o sentido original e esotérico, simplesmente acomodaram-na às
idéias modernas ou aos caprichos de sua própria fantasia. Assim uns tentaram
identificar os “elementais” às “mônadas” de Leibnitz (2); outros reduziram-nos
a nada além de “forças inconscientes”, como Papus para quem eles são “os
glóbulos sangüíneos do universo” (3), ou mesmo simples “centros de forças”, ou
“potencialidades de seres” (4); outros pretenderam ver neles “os embriões das
almas animais ou humanas” (5); existem outros ainda que, num outro sentido,
forçaram a confusão até assimilá-los às “hierarquias espirituais” da cabala
judaica, donde resulta que deveriam ser considerados como “elementais” os anjos
e os demônios, aos quais se imaginava assim fazer “perder seu caráter
fantasista” (6)! O que é fantasista, são os arranjos de conceitos disparates de
que os ocultistas são costumeiros; aquelas onde aparece qualquer coisa de
verdadeiro não lhes pertence, mas são concepções antigas mais ou menos mal
interpretadas, e os ocultistas parecem ter tomado para si a missão, sem dúvida
involuntariamente, de misturar todas estas noções mais do que esclarecê-las ou
ordená-las.
Um exemplo dessas falsas interpretações já nos foi
fornecida pela teoria das “cascas
astrais”, que o Dr. Gibier esqueceu por
completo em sua nomenclatura, e que é outro empréstimo feito pelos
ocultistas ao teosofismo; como já restabelecemos o sentido verdadeiro desta
deformação, não voltaremos ao assunto, mas lembraremos apenas que é só no
sentido que indicamos então que se pode admitir a intervenção dos mortos em
certos fenômenos, ou antes um simulacro de intervenção dos mortos, pois o ser
real não está envolvido nem é afetado por estas manifestações. Quanto à teoria
dos “elementais”, sobre a qual o ocultismo e o teosofismo não se diferenciam
mais do que sobre as precedentes, existe uma certa flutuação, às vezes
confundindo-se com as “cascas”, às vezes indo além, chegando o mais
freqüentemente a se identificar com a hipótese espírita, à qual ela traz apenas
algumas restrições. De um lado, Papus escreveu o seguinte: “Isto que o espírita
chama de espírito, de eu, o ocultista chama de elemental, de casca astral” (7). Não cremos que ele fez esta afirmação,
inaceitável para os espíritas, de boa-fé; mas prossigamos: “Os princípios
inferiores iluminados pela inteligência da alma humana (com a qual eles não
possuem mais do que uma “ligação fluídica”) formam aquilo que os ocultistas
chamam de “elemental”, e flutuam ao redor da terra no mundo invisível, enquanto
que os princípios superiores evoluem num outro plano... Na maior parte dos
casos, o espírito que aparece numa
sessão é o elementar da pessoa evocada, ou seja um ser que não possui do
defunto senão os instintos e a memória das coisas terrestres” (8). Isto é muito
claro, e, se existe uma diferença entre uma “casca” propriamente dita e um
“elemental”, é que a primeira é literalmente um “cadáver astral”, enquanto que
o segundo parece guardar ainda uma “ligação fluídica” com os princípios superiores; lembremos de
passagem que isto parece implicar que todos os elementos do ser humano devem
situar-se em algum lugar no espaço; os ocultistas, com seus “planos”, tomam uma
imagem muito grosseira por uma realidade. Mas, por outro lado, as afirmações
que reproduzimos não impedem o mesmo autor, em outros pontos da mesma obra, de
qualificar os “elementais” de “seres conscientes e voluntários”, de
apresentá-los como as “células nervosas do universo”, e de assegurar que “são
eles que aparecem às infelizes vítimas das alucinações da feitiçaria sob a
figura do diabo, ao qual (sic) se
fazem pactos” (9); este último papel, de resto, é mais comumente atribuído
pelos ocultistas aos “elementais”. Em outro lugar ainda, Papus precisa que o
“elemental” (e aí ele pretende que o termo, que nada tem de hebraico, pertença
à cabala) “é formado pelo espírito imortal superiormente, pelo corpo astral
(parte superior) medianamente, pelas cascas inferiormente” (10). Seria assim,
segundo esta nova versão, o ser humano verdadeiro e completo, tal como ele é
constituído durante o tempo mais ou menos longo em que ele permanece no “plano astral"; esta é a opinião que
prevaleceu entre os ocultistas, assim como entre os teosofistas, e ambos
chegaram a admitir genericamente que este ser pode evocado na medida em que se
encontra neste estado, ou seja no decurso do período que vai da “morte física”
à “morte astral”. Apenas acrescenta-se que os “desencarnados” que se manifestam
no mais das vezes nas sessões espíritas (com exceção dos “mortos amados”) são
homens cuja natureza é a mais inferior, notadamente os bêbados, os bruxos e os
criminosos, bem como os que sofreram
morte violenta, sobretudo os suicidas; e é exatamente para estes mesmos seres
inferiores, com os quais manter relações é considerado perigosíssimo, que
alguns teosofistas reservam o nome de “elementais”. Os espíritas, que se opõem
absolutamente a todas as teorias que expusemos até aqui, não parecem apreciar
muito esta concessão, que no entanto é bastante grave, e isto é bem compreensível:
eles próprios reconhecem que existem “maus espíritos” que se misturam às suas
sessões, mas, se só existissem estes, seria preciso abster-se de todas as
práticas espíritas; isto é de fato o que recomendam os dirigentes do ocultismo
e do teosofismo, porém sem ser escutados, sobre este ponto, por uma certa
categoria dos seus aderentes, para a qual tudo o que é “fenômeno”, qualquer que
seja sua qualidade, possui uma atração irresistível.
Chegamos agora às teorias que explicam os fenômenos pela ação
de seres humanos vivos, e que o Dr. Gibier reúne confusamente sob o nome,
impróprio para algumas delas, de “teoria do ser coletivo”. A teoria que merece
realmente este nome foi enxertada de outra que não lhe é necessariamente
solidária, e que é chamada às vezes de teoria “animista” ou “vitalista”; sob
sua forma mais comum, a que é expressa na definição do Dr. Gibier, poderíamos
chamá-la de teoria “fluídica”. O ponto de partida desta teoria é de que existe
no homem alguma coisa que é susceptível de se exteriorizar, ou seja de sair dos
limites do corpo, e muitas constatações parecem comprovar que é realmente
assim; lembraremos apenas as experiências do coronel de Rochas e de diversos
outros psiquistas sobre a “exteriorização da sensibilidade” e a “exteriorização
da motricidade”. Admitir isto não implica em adesão a nenhuma escola; mas
alguns acharam por bem representar esta “alguma coisa” sob o aspecto de um
fluído, que é chamado tanto de “fluído nervoso” como de “fluído vital”; estes
são naturalmente os ocultistas, que, aqui como em qualquer lugar onde se trate
de fluídos, seguem de perto os magnetizadores e os espíritas. Este pretenso
“fluído”, com efeito, é o mesmo dos magnetizadores: é o od de Reichenbach, que se pretendeu aproximar das “radiações invisíveis”
da física moderna (11); é ele que se separa do corpo sob a forma de eflúvios
que alguns acreditaram haver fotografado; mas isto é uma outra questão, que não
faz parte do nosso objeto. Quanto aos espíritas, dissemos que eles tiraram do
mesmerismo esta idéia de “fluídos”, a que eles recorrem igualmente para
explicar a mediunidade; não é aí que surgem as divergências, mas sobre o fato
de que os espíritas pretendem que um “espírito” venha a servir-se do “fluído”
exteriorizado pelo médium, enquanto que ocultistas e simples psiquistas supõem
mais razoavelmente que este último, na maior parte dos casos, poderia
perfeitamente produzir todo o fenômeno sozinho. Efetivamente, se alguma coisa
do homem se exterioriza, não há necessidade de recorrer a fatores estranhos
para explicar fenômenos tais como golpes ou deslocamento de objetos sem
contato, que não constituem por isso uma “ação à distância”, pois, em suma, um
ser está em todo lugar aonde ele age: em qualquer ponto onde se produza esta
ação, é porque o médium projetou aí, sem dúvida inconscientemente, alguma coisa
de si mesmo. Para negar que isto seja possível, só mesmo os que acreditam que o
homem é absolutamente limitado pelo seu corpo, o que prova que eles só conhecem
uma mínima parte de suas possibilidades; esta suposição, sabemo-lo bem, é a
mais comum entre os Ocidentais modernos, mas ela só se justifica pela
ignorância de sempre: ela equivale, em outros termos, a sustentar que o corpo é
a medida da alma, o que é, na Índia, uma das teses heterodoxas dos Jainas (e aqui empregamos os termos de
corpo e alma apenas para nos exprimirmos mais facilmente), e cujo absurdo é
muito fácil de demonstrar para que insistamos aqui: é concebível que a alma
deva ou possa sofrer as variações quantitativas do corpo, e que, por exemplo, a
amputação de um membro acarrete nela uma diminuição proporcional? De resto, é
difícil compreender que a filosofia moderna tenha colocado uma questão tão
desprovida de sentido com a do “lugar da alma”, como se se tratasse de algo
“localizável”; e os ocultistas não estão isentos de reprovação sob este
aspecto, pois eles tem uma tendência a localizar, mesmo após a morte, todos os
elementos do ser humano; quanto aos espíritas, eles repetem a cada instante que
os “espíritos” estão “no espaço”, ou ainda naquilo que eles chamam de
“errância”. É precisamente este hábito de tudo materializar que criticamos
também na teoria “fluídica”: não teríamos nada a acrescentar se, ao invés de se
chamar de “fluídos”, fosse falado simplesmente de “forças”, como o fazem os
psiquistas mais prudentes ou menos atingidos pelo “neo-espiritualismo”; o termo
“forças” é sem dúvida bem vago, mas é melhor do que o outro, no momento em que
a ciência comum não está em condições de permitir maior precisão a respeito.
Mas voltemos aos fenômenos que podem ser explicados pela
força exteriorizada; os casos que mencionamos são os mais elementares de todos;
mas seria a mesma coisa quando encontramos neles a marca de uma certa
inteligência, como, por exemplo, quando a tábua que se move responde mais ou
menos bem às questões que lhe são colocadas? Não hesitaremos em responder
afirmativamente para um grande número de casos: é excepcional que as respostas
ou “comunicações” obtidas ultrapassem sensivelmente o nível intelectual do
médium ou dos assistentes; o espírita que, possuindo algumas faculdades
mediúnicas, retira-se sozinho para consultar sua tábua a respeito de não
importa o que, não suspeita que é apenas consigo mesmo que ele se comunica por
este meio turvo, e no entanto é o que acontece normalmente. Nas sessões dos
grupos, a presença de assistentes mais ou menos numerosos vem complicar um
pouco as coisas; o médium não está reduzido ao seu único pensamento, mas, no
estado particular em que ele se acha e que o torna eminentemente acessível à
sugestão sob todas as suas formas, ele poderá igualmente refletir e expressar o
pensamento de qualquer um dos presentes. De resto, neste caso como no
precedente, não se trata forçosamente de um pensamento que seja claramente
consciente no momento, e mesmo um tal pensamento quase que só será expresso se
alguém tiver a vontade determinada de influenciar as respostas; habitualmente,
o que se manifesta pertence a este domínio bastante complexo que os psicólogos
chamam de “subconsciente”. Muito já se abusou desta última denominação, por ser
cômodo, em muitas circunstâncias, apelar para o que é obscuro e mal definido;
não é menos verdadeiro que o “subconsciente” corresponde a uma realidade;
apenas, há de tudo aí, e os psicólogos, dentro dos limites dos meios de que
dispõem, teriam grande dificuldade de colocar ordem. Existe em primeiro lugar
aquilo que podemos chamar de “memória latente”: ninguém esquece jamais de modo
absoluto, como o provam os casos de “revivência” anormal que foram tantas vezes
constatados; basta portanto que qualquer coisa tenha sido conhecida por um dos
assistentes, mesmo que ele ache tê-la esquecido por completo, para que não seja
preciso buscar fora aquilo que venha a se expressar numa “comunicação”
espírita. Existem também todas as “previsões” e todos os “pressentimentos” que
chegam às vezes, mesmo normalmente, a se tornar bastante conscientes em certas
pessoas; é a esta ordem que devemos ligar muitas das predições espíritas que se
realizam, sem contar que existem muitas outras, e provavelmente em maior
número, que não se realizam, e que representam pensamentos vagos que tomam
corpo como o podem fazer não importa quais devaneios (12). Mas iremos ainda
mais longe: uma “comunicação” anunciando fatos realmente desconhecidos de todos
os assistentes pode no entanto provir do “subconsciente” de algum deles, pois,
sob este aspecto também, estamos longe de conhecer todas as possibilidades do
ser humano: cada um de nós pode estar em relação, por esta parte obscura de si
mesmo, com seres e coisas das quais não haja conhecimento no sentido corrente
do termo, e podem estabelecer-se aí inúmeras ramificações para as quais é
impossível estabelecer limites definidos. Aqui, estamos bem longe da psicologia
clássica; isto poderá parecer bastante estranho, assim como o fato de que as
“comunicações” podem ser influenciadas pelo pensamento de pessoas não
presentes; e no entanto, não receamos afirmar que não há nisso nada de
impossível. Voltaremos em outra ocasião sobre a questão do “subconsciente”; por
ora, só a mencionamos para mostrar que os espíritas são muito imprudentes ao
invocar, como provas certas em apoio à sua teoria, fatos do tipo que fizemos
alusão.
Estas últimas considerações permitirão compreender o que é
a teoria do “ser coletivo” propriamente
dito e que parte de verdade ela encerra; esta teoria, digamo-lo desde já, foi
admitida por alguns espíritas mais independentes, e que não acham indispensável
fazer intervir os “espíritos” em todos os casos sem exceção: tais são Eugène
Nus, que foi o primeiro a empregar a expressão de “ser coletivo” (13), e
Camille Flammarion. Segundo esta teoria, o “ser coletivo” seria formado por uma
espécie de combinação dos “perispíritos” ou dos “fluídos” do médium e de seus
assistentes, e ele se fortificaria a cada sessão, desde que os assistentes
fossem sempre os mesmos; os ocultistas adotaram esta concepção apressadamente
pensando poder aproximá-la das idéias de Eliphas Lévi sobre os egrégores (14)
ou “entidades coletivas”. É preciso porém frisar, para não levarmos longe demais
a assimilação, que, para Eliphas Lévi, tratar-se-ia, mais genericamente,
daquilo que se poderia chamar de “alma” de uma coletividade qualquer, como uma
nação por exemplo; o grande erro dos ocultistas, em casos como este, é de tomar
ao pé da letra certos modos de expressão, e de acreditar que se trata
verdadeiramente de um ser comparável a um ser vivo, e que eles situam
naturalmente no “plano astral”. Para voltarmos ao
“ser coletivo” das sessões espíritas, diremos simplesmente que, deixando de lado todos os “fluídos”, não se deve ver aí mais do que estas ações e reações dos diversos “subconscientes” em presença, de que já falamos, sendo o efeito das relações que se estabelecem entre eles de uma maneira mais ou menos durável e amplificando-se na medida em que o grupo se constitui mais solidamente. Existem de resto fatos que podem ser explicados pelo “subconsciente”, individual ou coletivo, sem que haja a menor exteriorização de força de parte do médium ou de parte dos assistentes: é o que acontece com os “médiuns de encarnações” e mesmo com os “médiuns escritores”; estes estados, repetimos, são rigorosamente idênticos a estados sonambúlicos puros e simples (a menos que se trate de uma verdadeira “possessão”, mas isto é muito raro). A este respeito, acrescentaremos que existem semelhanças entre o médium, o paciente hipnótico e o sonâmbulo natural; existe um certo conjunto de condições “psico-fisiológicas” que são comuns aos três, e o modo como eles se comportam é freqüentemente o mesmo. Citaremos Papus sobre as relações entre o hipnotismo e o espiritismo: “Uma série de observações rigorosas nos conduziu à idéia de que o espiritismo e o ocultismo não eram dois campos de estudo diferentes, mas sim graus diferentes da mesma ordem de fenômenos; que o médium apresentava com o paciente numerosos pontos em comum, pontos os quais, que eu saiba, não foram suficientemente sublinhados até aqui. Mas o espiritismo conduz a resultados experimentais bem mais completos que o hipnotismo; o médium é de fato um paciente, mas um paciente que leva os fenômenos além do domínio atual conhecido do hipnotismo” (12). Sobre este ponto, ao menos, podemos estar de acordo com os ocultistas, mas com algumas reservas: por um lado, é certo que o hipnotismo pode ir muito mais longe do que o que estudaram alguns sábios, mas não vemos vantagem em estender esta denominação para abrigar todos os fenômenos psíquicos sem distinção; por outro lado, como já dissemos, todo fenômeno ligado ao hipnotismo escapa por isso mesmo ao espiritismo, e aliás os resultados experimentais obtidos pelas práticas espíritas não constituem o espiritismo em si: o espiritismo está nas teorias, não nos fatos, e é neste sentido que dizemos que o espiritismo não passa de erro e ilusão.
“ser coletivo” das sessões espíritas, diremos simplesmente que, deixando de lado todos os “fluídos”, não se deve ver aí mais do que estas ações e reações dos diversos “subconscientes” em presença, de que já falamos, sendo o efeito das relações que se estabelecem entre eles de uma maneira mais ou menos durável e amplificando-se na medida em que o grupo se constitui mais solidamente. Existem de resto fatos que podem ser explicados pelo “subconsciente”, individual ou coletivo, sem que haja a menor exteriorização de força de parte do médium ou de parte dos assistentes: é o que acontece com os “médiuns de encarnações” e mesmo com os “médiuns escritores”; estes estados, repetimos, são rigorosamente idênticos a estados sonambúlicos puros e simples (a menos que se trate de uma verdadeira “possessão”, mas isto é muito raro). A este respeito, acrescentaremos que existem semelhanças entre o médium, o paciente hipnótico e o sonâmbulo natural; existe um certo conjunto de condições “psico-fisiológicas” que são comuns aos três, e o modo como eles se comportam é freqüentemente o mesmo. Citaremos Papus sobre as relações entre o hipnotismo e o espiritismo: “Uma série de observações rigorosas nos conduziu à idéia de que o espiritismo e o ocultismo não eram dois campos de estudo diferentes, mas sim graus diferentes da mesma ordem de fenômenos; que o médium apresentava com o paciente numerosos pontos em comum, pontos os quais, que eu saiba, não foram suficientemente sublinhados até aqui. Mas o espiritismo conduz a resultados experimentais bem mais completos que o hipnotismo; o médium é de fato um paciente, mas um paciente que leva os fenômenos além do domínio atual conhecido do hipnotismo” (12). Sobre este ponto, ao menos, podemos estar de acordo com os ocultistas, mas com algumas reservas: por um lado, é certo que o hipnotismo pode ir muito mais longe do que o que estudaram alguns sábios, mas não vemos vantagem em estender esta denominação para abrigar todos os fenômenos psíquicos sem distinção; por outro lado, como já dissemos, todo fenômeno ligado ao hipnotismo escapa por isso mesmo ao espiritismo, e aliás os resultados experimentais obtidos pelas práticas espíritas não constituem o espiritismo em si: o espiritismo está nas teorias, não nos fatos, e é neste sentido que dizemos que o espiritismo não passa de erro e ilusão.
Existe ainda uma certa categoria de fenômenos de que não
falamos, mas que estão entre aqueles que supõem evidentemente uma
exteriorização: trata-se dos fenômenos conhecidos como “transportes” e
“materializações”. Os “transportes” são em suma deslocamentos de objetos, mas
com a complicação de que os objetos provém às vezes de lugares muito distantes,
e de que muitas vezes eles tem que atravessar obstáculos materiais. Se o médium
emite, de um modo ou de outro, prolongamentos de si mesmo para exercer uma ação
sobre objetos, a maior ou menor distância não será um impedimento, ela
implicará apenas faculdades mais ou menos desenvolvidas, e, se a intervenção de
“espíritos” ou outras entidades extra-terrestres nem sempre é necessária, é
porque ela não é jamais. A dificuldade reside aqui na passagem, real ou
aparente, através da matéria: para explicá-la, alguns supõem que existiu
sucessivamente “desmaterialização” e “rematerialização” do objeto transportado;
outros constroem teorias mais ou menos complicadas, nas quais a “quarta
dimensão” do espaço costuma desempenhar papel importante. Não entraremos aqui
na discussão dessas muitas hipóteses, mas observaremos que é bom suspeitar das
fantasias que a “hipergeometria” inspirou ais “neo-espiritualistas” de diversas
escolas; parece-nos preferível ver simplesmente, no transporte do objeto,
“mudanças de estado”, sem entrarmos em muito detalhe; e acrescentaremos que,
apesar das crenças dos físicos modernos, a impenetrabilidade da matéria seja
bem relativa. Mas em todo caso, basta assinalar que, aí também, a suposta ação
dos “espíritos” não resolve nada; desde que se admita o papel do médium, é
lógico tentar explicar fatos como estes pelas propriedades do ser vivo; de
resto, para os espíritas, o ser humano, pela morte, mais perde certas
propriedades do que adquire novas; enfim, colocando-nos fora de qualquer teoria
em particular, o ser vivo é, do ponto de vista de uma ação que se exerça sobre
a matéria física, manifestamente em condições mais favoráveis do que um ser em
cuja constituição não entre nenhum elemento desta matéria.
Quanto às
“materializações”, são talvez fenômenos mais raros, mas também os que os
espíritas consideram mais comprobatórios: como é possível duvidar da existência
e da presença de um “espírito”, quando ele toma uma aparência perfeitamente
sensível, quando ele se reveste de uma forma que pode ser vista, tocada e mesmo
fotografada (o que exclui a hipótese de alucinação)? E no entanto, os próprios
espíritas admitem que o médium desempenha algum papel na coisa: uma espécie de
substância, primeiro informe e nebulosa, parece desprender-se do seu corpo para
depois condensar-se gradualmente; isto todo mundo admite, salvo aqueles que
contestam a própria realidade do fenômeno; mas os espíritas acrescentam que um
“espírito” vem em seguida modelar esta
substância, este “ectoplasma” como o chamam alguns psiquistas, vem dar-lhe a
sua forma e animá-la como um verdadeiro corpo temporário. Infelizmente, existem
“materializações” de personagens imaginários, como existem “comunicações”
assinadas por heróis romanos: Eliphas Lévi assegura que pessoas fizeram evocar
por Dunglas Home os fantasmas de supostos parentes que nunca existiram (13);
também mencionam-se casos em que as formas “materializadas” reproduziam
simplesmente retratos, ou mesmo figuras fantasistas emprestadas dos jornais ou
de desenhos que o médium havia visto: “Durante o Congresso espírita e
neo-espiritualista de 1889, Donald Mac-Nab mostrou-nos uma fotografia
representando uma jovem que ele e mais seis de seus amigos haviam podido tocar
e que ele tinha conseguido fotografar. O médium em letargia era visível ao lado
da aparição. Ora, esta aparição materializada não era outra coisa senão a
reprodução material de um velho desenho datado de muitos séculos e que havia
causado admiração ao médium quando este se encontrava acordado” (14). Por outro
lado, se a pessoa evocada é reconhecida por algum dos assistentes, isto prova
evidentemente que este assistente possuía uma imagem em sua memória, e daí
provir a semelhança constatada; se ao contrário ninguém reconhece o suposto
“desencarnado”, sua identidade não pode ser verificada, e a argumentação
espírita cai por terra mais uma vez. O próprio Flammarion reconheceu que a
identidade dos “espíritos” jamais foi demonstrada, e que os casos mais
admiráveis sempre podiam dar lugar a contestações; e como poderia ser de outro
modo, quando nos lembramos que, mesmo para um homem vivo, é quase impossível,
teoricamente senão na prática, dar provas de sua identidade que sejam rigorosas
e irrefutáveis? É preciso então ater-se à teoria chamada da “ideoplastia”,
segundo a qual não apenas o substrato da “materialização” é fornecido pelo
médium, mas sua forma é devida a uma idéia ou mais exatamente a uma imagem
mental, seja do médium propriamente, seja de um dos assistentes, sendo que esta
imagem pode ainda ser “subconsciente” todos os fatos desta ordem podem ser
explicados por esta teoria, e alguns dentre eles não podem ser explicados de
outra maneira. Lembremos de passagem que, admitindo-se isto, não se pode dizer
que haja fraude quando se apresentam “materializações” desprovidas de relevo
como os desenhos que são seus modelos; bem entendido, isto não impede que as fraudes sejam de fato inúmeras, mas casos
como esses deveriam ser examinados de mais perto, ao invés de serem descartados
a priori. Sabemos de resto que
existem “materializações” mais e menos completas; existem algumas formas que
podem ser tocadas, mas que não chegam a se tornar visíveis; existem também
aparições que são parciais, e estas últimas são no mais das vezes formas de
mãos. Estas aparições de mãos isoladas merecem a atenção: tentou-se explicá-las
dizendo que “como um objeto se toma geralmente com as mãos, o desejo de agarrar
um objeto deve necessariamente despertar a idéia de mão e por conseqüência a
representação mental de uma mão” (15); mesmo aceitando esta explicação em
princípio, podemos pensar que ela não é sempre suficiente, e lembraremos a
propósito que manifestações similares foram constatadas em casos do domínio da
bruxaria, como os fatos de Cideville que já mencionamos. A teoria da
“ideoplastia”, de resto, não exclui forçosamente qualquer intervenção
estrangeira, como poderiam crer alguns com tendência a sistematizar; ela apenas
restringe o número de casos em que se pode atribuí-la; notadamente, ela não exclui
a ação de homens vivos não presentes corporalmente (é assim que operam os
bruxos), nem de forças diferentes, sobre as quais voltaremos ainda.
Alguns dizem que o que se exterioriza é o “duplo” do
médium; esta expressão é imprópria, ao menos no sentido em que este pretenso
“duplo” pode tomar uma aparência muito diferente da do próprio médium. Para os
ocultistas, este “duplo” é evidentemente idêntico ao “corpo astral”; existem
alguns que se exercitam em obter, de um modo consciente e voluntário, o “desdobramento”
ou a “saída no astral”, ou seja realizar ativamente aquilo que faz passivamente
o médium, ignorando que as experiências deste gênero são extremamente
perigosas. Quando os resultados Não são puramente ilusórios e devidos a uma
simples auto-sugestão, eles são em todo caso mal interpretados; já dissemos que
não é possível admitir o “corpo astral”, tanto quanto os “fluídos”, porque são
representações grosseiras, que consistem em supor estados materiais que quase
não diferem da matéria ordinária, senão por terem menos densidade. Quando
falamos em “estado sutil”, queremos dizer outra coisa: não se trata de um corpo
de matéria rarefeita, uma “aerosoma” segundo a expressão empregada por alguns
ocultistas; trata-se de qualquer coisa verdadeiramente “incorpórea”; não
sabemos de resto se devemos dizer material ou imaterial, e pouco nos importa,
pois estas palavras só tem um valor relativo para quem se coloca fora dos
quadros convencionais da filosofia moderna, e esta ordem de considerações
permanece inteiramente estranha aos olhos das doutrinas orientais, as únicas
aonde, hoje em dia, a questão poderia ser estudada como se deve. É preciso
frisar que aludimos a algo que é essencialmente um estado do homem vivo, pois o
ser, ao morrer, muda bem mais do que a simples perda do corpo, contrariamente
ao que sustentam espíritas e ocultistas; da mesma forma, aquilo que é
susceptível de se manifestar após a morte não pode ser visto senão como uma
espécie de vestígio deste estado sutil do ser vivo, e não é ele, tanto quanto o
cadáver não é o organismo animado. Durante a vida, o corpo é a expressão de um
certo estado do ser, mas este possui igualmente, e ao mesmo tempo, estados
incorpóreos, dentre os quais este de que falamos é o mais próximo do estado
corporal; este estado sutil deve apresentar-se ao observador como uma força ou
um conjunto de forças mais do que como um corpo, e a aparência corporal das
“materializações” é sobreposta excepcionalmente às suas propriedades normais.
Tudo isto foi singularmente deformado pelos ocultistas, que dizem com razão que
o “plano astral” é o “mundo das forças”, o que não os impede de colocar corpos
aí; e é preciso acrescentar ainda que as “forças sutis” são bem diferentes,
tanto pela sua natureza como por seu modo se ação, das forças que a física
ordinária estuda.
O que há de curioso a notar como conseqüência destas
últimas observações é o seguinte: aqueles mesmos que admitem que é possível
invocar os mortos (queremos dizer o ser real dos mortos) deveriam admitir que
seja igualmente possível, e mesmo mais fácil, invocar um vivo, porque o morto
não adquiriu, aos seus olhos, elementos novos, e que de resto, qualquer que
seja o estado no qual se suponha que ele esteja, este estado, comparado com o
dos vivos, jamais oferecerá uma similitude tão perfeita quanto se compara os
vivos entre si, donde segue-se que as possibilidades de comunicação, se é que
elas existem, só podem ser diminuídas e não aumentadas. Ora, é sabido que os
espíritas insurgem-se violentamente contra esta possibilidade de invocar um
vivo, e que eles a consideram perigosa para a sua teoria; nós, que negamos
qualquer fundamento a esta, reconhecemos ao contrário essa possibilidade, e
tentaremos mostrar mais claramente as razões. O cadáver não possui outras
qualidades do que o organismo animado, ele guarda apenas algumas destas
possibilidades consigo; da mesma forma, o ob
dos Hebreus, ou o prêta dos Hindus,
não poderiam ter propriedades novas em relação ao estado do qual ele não é mais
do que um vestígio; se portanto este elemento pode ser invocado, é porque o ser
vivo também pode sê-lo em seu estado correspondente. Bem entendido, o que
dissemos supõe apenas uma analogia entre diferentes estados, e não uma
assimilação com o corpo; o ob
(conservaremos o nome para maior facilidade) não é um “cadáver astral”, e foi
somente a ignorância dos ocultistas, que confundem analogia com identidade, que
o transformou na “casca” de que falamos; os ocultistas, lembramos, não fizeram
mais do que recolher fragmentos de conhecimentos incompreendidos. Frisemos que
todas as tradições reconhecem a realidade da invocação mágica do ob, qualquer nome que ele tenha; em
particular, a Bíblia hebraica reporta o caso da invocação do Profeta Samuel
(16), e de resto, se não fosse uma realidade, as proibições que ela contém a
respeito não teriam alcance nem significado. Mas voltemos à nossa questão: se
um homem vivo pode ser invocado, existe, com o caso do morto, a diferença que,
não tendo sido o seu composto dissociado, a invocação afetará necessariamente
seu ser real; ela poderá portanto ter conseqüências mais graves sob este
aspecto do que a invocação do ob , o que não quer dizer que esta não tenha
também seus perigos, só que de outra ordem. Por outro lado, possibilidade de
invocação deve ser realizável sobretudo se o
homem estiver adormecido, porque ele se encontrará então, quanto à sua
consciência atual, no estado correspondente àquele que é invocado, a menos que
ele esteja mergulhado no sono profundo, aonde nada pode atingi-lo e aonde
nenhuma influência exterior pode se exercer sobre ele; esta possibilidade
refere-se apenas ao que podemos chamar de estado de sonho, intermediário entre
a vigília e o sono profundo, e é igualmente deste lado, observemo-lo de
passagem, que seria preciso buscar a verdadeira explicação de todos os
fenômenos do sonho, explicação que não é menos impossível para os psicólogos do
que o é para os fisiologistas. Não é preciso dizer que não aconselhamos a
ninguém tentar a invocação de um ser vivo, e muito menos submeter-se a uma tal
experiência, bem como seria extremamente perigoso dar publicamente a menor
indicação de como se obter este resultado; mas o que pior é que pode acontecer
de alguém conseguir sem tê-lo tentado, e este é um dos inconvenientes
acessórios que apresenta a vulgarização das práticas empíricas dos espíritas;
não queremos exagerar a importância deste perigo, mas já é bastante que ele
exista, por excepcional que seja. Eis o que diz a respeito um psiquista que se
colocou como adversário resoluto da hipótese espírita, o engenheiro Donald
Mac-Nab: “Pode acontecer que numa sessão se materialize a identidade física de
uma pessoa distante, em relação psíquica com o médium. Neste caso, se se agir
desastradamente, é possível matar a pessoa. Muitos casos de morte súbita podem
ser relacionados a esta causa” (17). Em outro ponto, o autor enfoca também,
além da invocação propriamente dita, outras possibilidades da mesma ordem: “Uma
pessoa afastada pode assistir psiquicamente à sessão, de sorte que fica
explicado que se possa observar o fantasma desta pessoa ou qualquer outra
imagem contida no seu inconsciente, inclusive as de pessoas mortas que ela
tenha conhecido. A pessoas que se manifesta assim geralmente não tem a
consciência, mas ela experimenta uma espécie de ausência ou de abstração. Este
caso é menos raro do que se imagina” (18). Basta substituir aqui “inconsciente”
por “subconsciente”, e veremos que, no fundo, é exatamente o que dissemos a
respeito destas obscuras ramificações do ser humano que permitem explicar
tantas coisas nas “comunicações” espíritas. Antes de irmos mais longe,
lembraremos que o “médium de materializações” está sempre mergulhado neste sono
especial que os espíritas anglo-saxões denominam transe, porque sua vitalidade, assim como sua consciência, está
neste instante concentrada no “estado sutil”; e para dizer a verdade, este transe é bem mais parecido com uma morte
aparente do que o sono comum, porque existe então, entre o “estado sutil” e o
estado corporal, uma dissociação mais ou menos completa. É por isso que, em todas
as experiências de “materialização”, o médium está constantemente em perigo de
morte, tanto quanto o ocultista que ensaia o “desdobramento”; para evitar este
perigo, seria preciso recorrer a meios especiais que nem uns nem outros tem à
disposição; apesar de todas as suas pretensões, os ocultistas “praticantes”
são, assim como os espíritas, simples empíricos que não sabem bem o que estão
fazendo.
O “estado sutil” de que falamos, e ao qual devem ser
reportadas em geral, não apenas as “materializações”, mas também todas as
outras manifestações que supõem uma “exteriorização” em qualquer grau que seja, este estado tem o
nome de taijasa na doutrina hindu,
porque esta vê o princípio correspondente como sendo da natureza do elemento
ígneo (têjas), que por sua vez é ao
mesmo tempo calor e luz. Isto poderia ser melhor entendido através de uma
exposição da constituição do ser humano tal como esta doutrina o encara; mas
não podemos fazê-lo aqui, pois esta questão exigiria um estudo especial, que
temos intenção de fazer algum dia. Para o momento, vamos nos limitar a
assinalar sumariamente algumas das possibilidades deste “estado sutil”,
possibilidades que ultrapassam em muito todos os fenômenos do espiritismo, e
com as quais estes não são sequer comparáveis; tais são, por exemplo, as
seguintes: possibilidade de transferir para este estado a integralidade da
consciência individual, e não apenas uma porção da ‘”subconsciência” como
acontece no sono comum e nos estados hipnóticos e mediúnicos; possibilidade d
“localizar” este estado em um lugar qualquer, o que é a “exteriorização”
propriamente dita, e de condensar neste lugar, por seu meio, uma aparência
corporal que é análoga à “materialização” dos espíritas, mas sem a intervenção
de nenhum médium; possibilidade de dar a esta aparência, seja a própria forma
do corpo (que assim mereceria realmente o nome de “duplo”), seja qualquer outra
forma correspondente a uma imagem mental qualquer; enfim, possibilidade de
“transpor” para este estado, se podemos nos exprimir assim, os elementos
constitutivos do próprio corpo, o que parecerá sem dúvida mais extraordinário
do que todo o resto. Lembraremos que aí residem as explicações de outras
coisas, dentre elas os fenômenos de “bilocação”, que são daqueles a que fizemos
alusão quando dissemos que existem exemplos de fenômenos que são exteriormente
semelhantes em santos e feiticeiros; encontramos também aí a explicação destas
histórias, demasiado comuns para serem sem fundamento, de feiticeiros que foram
vistos vagando sob formas animais, e podemos ver também porque os golpes
desferidos contra estas formas tem sua repercussão, em ferimentos reais, sobre
o próprio corpo do feiticeiro, assim como quando o fantasma deste se apresenta
em sua forma natural, que aliás pode não ser visível para todos os assistentes;
sobre este último ponto como sobre muitos outros, o caso de Cideville é
particularmente impressionante e instrutivo. Por outro lado, é a realizações
bastante incompletas e rudimentares da última das possibilidades que enumeramos
que se deve ligar os fenômenos de “levitação”, de que ainda não falamos (e para
os quais valem as mesmas observações que para a “bilocação”), as mudanças de
peso constatadas nos médiuns (e que deram a alguns psiquistas a ilusão absurda
de poder “pesar a alma”), e também estas “mudanças de estado”, ou ao menos de
modalidade, que devem se produzir nos “transportes”. Existem mesmo casos em que
se pode ver a representação de um “bilocação” incompleta: tais são todos os
fenômenos de “telepatia”, ou seja as aparições de seres humanos à distância,
produzidas durante sua vida ou no instante da sua morte, aparições que podem
aliás apresentar graus de consistência extremamente variáveis. As
possibilidades de que se trata, por estarem além do domínio do psiquismo ordinário
permitem explicar a fortiori muitos
fenômenos que esta estuda; mas estes fenômenos, como vimos, só representam
casos atenuados, reduzidos às proporções mais medíocres. Em todo caso, só
estamos falando de possibilidades, e achamos que existem coisas sobre as quais
é difícil insistir, dada a deformação da mentalidade dominante em nossa época;
quem poderia acreditar, por exemplo, que um ser humano possa deixar a
existência terrestre sem deixar um cadáver atrás de si? E no entanto,
encontramos mais uma vez o testemunho na Bíblia: Henoch “nunca mais foi visto,
porque Deus tomou-o” (19); Moisés “foi sepultado pelo Senhor, e ninguém
conheceu seu sepulcro” (20); Elias subiu aos Céus num “carro de fogo” (21), que
lembra estranhamente o “veículo ígneo” da tradição hindu; e, se estes exemplos
implicam a intervenção de uma causa transcendente, não é menos verdade que esta
intervenção mesma pressupõe certas possibilidades no ser humano. Seja como for,
só indicamos tudo isto para dar o que refletir aos que são capazes, e fazê-los
conceber até certo ponto a extensão dessas possibilidades do ser humano, tão
completamente insuspeitadas da maioria; para aqueles ainda, acrescentaremos que
tudo o que diz respeito ao “estado sutil” toca de perto a própria natureza da
vida, que os antigos como Aristóteles (nisto de acordo com os Orientais)
assimilavam ao próprio calor, propriedade específica do elemento têjas (22).
Por outro lado, este elemento está como que polarizado em calor e luz, donde resulta que o “estado sutil” está ligado
ao estado corporal de duas maneiras diferentes e complementares, pelo sistema
nervoso quanto à qualidade luminosa, e pelo sangue quanto à qualidade calórica;
existem aí os princípios de toda uma “psico-fisiologia” que não tem nenhuma
relação com a dos Ocidentais modernos, e da qual estes não tem a menor noção.
Aqui, seria ainda preciso lembrar o papel do sangue na produção de certos
fenômenos, seu emprego em diversos ritos mágicos e mesmo religiosos, e também
sua interdição, enquanto alimento, por legislações tradicionais com a dos
Hebreus; mas isto poderia nos levar muito longe, e de resto estas coisas são
daquelas de que se deve falar com reserva. Enfim, o “estado sutil” não deve ser
visto apenas no seres vivos individuais, e, como qualquer outro estado, ele tem
sua correspondência na ordem cósmica: é a que se referem os mistérios do “Ovo
do Mundo”, este antigo símbolo comum aos Druidas e aos Brahmanes.
Parece que estamos bem longe dos fenômenos do espiritismo;
isto é verdade, mas é a última observação que fizemos que irá nos remeter de
volta, permitindo-nos completar a explicação que nos propusemos, e à qual falta
ainda uma coisa. O ser vivo, em cada um de seus estados, está em relação com o
meio cósmico correspondente; isto é evidente para o estado corporal, e, para os
demais, a analogia deve ser observada aqui como em todas as coisas; a
verdadeira analogia, corretamente aplicada, não pode ser responsabilizada pelos
abusos da falsa analogia que encontramos entre os ocultistas. Estes, sob o nome
de “plano astral”, desfiguraram, caricaturaram por assim dizer, o meio cósmico
correspondente ao “estado sutil”, meio incorpóreo, de que um “campo de forças”
é a única imagem que pode fazer um físico, e ainda com a reserva de que estas
forças são completamente outras do que as que ele está acostumado a manejar.
Eis então como explicar as ações estrangeiras que podem, em certos casos, vir
somar-se à ação dos seres vivos, combinar-se de certo modo para a produção dos
fenômenos; e, ainda aí, o que mais se deve temer ao formular as teorias, é
limitar arbitrariamente possibilidades que podemos chamar propriamente de
indefinidas (Não dizemos infinitas). As forças susceptíveis de entrar em jogo
são diversas e múltiplas; que sejam vistas como provenientes de seres especiais,
ou como simples forças no sentido mais próximo do empregado pela física, pouco
importa quando se está restrito às generalidades, pois ambas as coisas podem
ser verdadeiras segundo o caso. Dentre estas forças, existem aquelas que são,
por sua natureza, mais próximas do mundo corporal e das forças físicas, e que,
conseqüentemente, manifestar-se-ão mais facilmente tomando contato com o
domínio sensível por intermédio de um organismo vivo (o do médium) ou por algum
outro meio. Ora, estas forças são precisamente as mais baixas de todas,
portanto aquelas cujos efeitos podem ser os mais funestos e que devem ser
evitadas mais cuidadosamente; elas correspondem, na ordem cósmica, àquilo que
são as mais baixas regiões do “subconsciente” no ser humano. É dentro desta categoria
que se deve agrupar todas as forças às quais a tradição extremo-oriental da o
nome de “influências errantes”, forças cujo manejo constitui a parte mais
importante da magia, e cujas manifestações, às vezes espontâneas, dão lugar a
todos esses fenômenos dos quais a “obsessão” é o tipo mais conhecido; são, em
suma, todas as energias não individualizadas, e as há de todo tipo. Algumas
destas forças podem ser chamadas verdadeiramente de “demoníacas” ou
“satânicas”; são estas, notadamente, que a bruxaria põe em jogo, e as práticas
espíritas podem atraí-las freqüentemente, ainda que sem querer; o médium é um
ser cuja infeliz constituição coloca em contato com tudo o que há de menos
recomendável neste mundo, e mesmo nos mundos inferiores. Dentre as “influências
errantes” também deve ser compreendido tudo o que, provindo dos mortos, é
susceptível de causar manifestações sensíveis, pois trata-se aí de elementos
que não são individualizados: tal é o ob,
e tais são com mais razão todos estes elementos psíquicos de menor importância
que representam “o produto da desintegração do inconsciente (ou melhor do
“subconsciente”) de uma pessoa morta (23); acrescentemos que, nos casos de
morte violenta, o ob conserva durante
um certo tempo um grau particular de coesão e de quase vitalidade, o que dá
conta de um bom número de fenômenos. Estes são apenas alguns exemplos, e de
resto, repetimos, não é preciso indicar uma fonte necessária para estas
influências; de onde quer que elas venham, elas podem ser captadas segundo certas
leis; mas os sábios comuns, que não conhecem absolutamente nada destas leis,
não deveriam espantar-se de não conseguirem se fazer obedecer pela “força
psíquica”, que às vezes parece comprazer-se em desmontar as mais engenhosas
combinações de seu método experimental; não é que esta força (que de resto não
é uma) seja mais “caprichosa” do que
outra, mas é preciso saber como dirigi-la; infelizmente, ela tem outros
inconvenientes além de tontear os sábios. O mágico, que conhece as leis das
“influências errantes”, pode fixá-las através de diversos procedimentos, por
exemplo tomando como suporte certas substâncias ou certos objetos que irão agir
como “condensadores”; não é preciso dizer que existe uma semelhança puramente
exterior entre as operações deste gênero e a ação das “influências espirituais”
de que tratamos precedentemente. Ao contrário, o mágico pode também dissolver
estes “conglomerados” de força sutil, que tenham sido formados voluntariamente
por ele ou por outrem, ou que tenham se constituído espontaneamente; a este
respeito, o poder das pontas é conhecido há muito tempo. Estas duas ações
inversas são análogas àquilo que a alquimia chama “coagulação” e “solução”
(dizemos análogas e não idênticas, porque as forças postas em ação pela
alquimia e pela magia não são exatamente da mesma ordem); elas constituem a
“saudação” e a “despedida” pelos quais se abre e se fecha toda operação de
“magia cerimonial” ocidental; mas esta é eminentemente simbólica, e, quando se
toma ao pé da letra o modo como ela personifica estas “forças”, chega-se aos
piores absurdos; é o que, aliás, costumam fazer os ocultistas. O que há de
verdadeiro sob todo este simbolismo, é sobretudo o seguinte: as forças em
questão podem ser repartidas em diferentes classes, e a classificação adotada
dependerá do ponto de vista de onde se está colocado; o da magia ocidental
distribui as forças, segundo suas afinidades, em quatro “reinos elementares”, e
não se deve buscar outra origem nem outra filiação real à teoria moderna dos
“elementais” (24). Por outro lado, durante o intervalo compreendido entre as
duas fases inversas que são os dois extremos de sua operação, o mágico pode
emprestar às forças que ele captou uma espécie de consciência, reflexo ou
prolongamento da sua própria, que constitui para ele como que uma
individualidade temporária; e é esta individuação fictícia que, aos olhos
daqueles que chamamos de empíricos e que aplicam regras que não compreendem, dá
a ilusão de se constituir num ser verdadeiro. O mágico que sabe o que faz, se
ele interroga estas pseudo-individualidades que ele mesmo suscitou às expensas
de sua própria individualidade, não pode ver aí senão um meio de fazer
aparecer, por um desenvolvimento artificial, aquilo que seu “subconsciente”
continha já em estado latente; a mesma teoria pode ser aplicada, com as devidas
modificações, a todos os procedimentos adivinhatórios, quaisquer que sejam. É
aí também que reside, quando a simples exteriorização dos vivos não basta, a
explicação das “comunicações” espíritas, com a diferença que as influências,
por não serem neste caso dirigidas por nenhuma vontade, exprimem-se da maneira
mais incoerente e mais desordenada; existe também uma outra diferença, que está
nos procedimentos colocados em ação, pois o emprego de um ser humano como “condensador”,
anteriormente ao espiritismo, era o apanágio dos bruxos da mais baixa classe; e
existe mesmo uma terceira, pois, como já dissemos, os espíritas são mais
ignorantes do que o último dos bruxos, e nenhum destes jamais levou tão longe a
inconsciência a ponto de tomar as “influências errantes” pelos “espíritos dos
mortos”. Antes de deixarmos o tema, acrescentaremos ainda que, além da forma de
ação que mencionamos e que é a única conhecida pelos mágicos ordinários, ao
menos no Ocidente, existe uma outra bem diferente, cujo princípio consiste em
condensar as influências em si mesmo, de modo a servir-se delas à vontade e ter
assim à disposição uma possibilidade permanente de produzir certos fenômenos; é
a este modo de ação que devem ser relacionados os fenômenos dos faquires; mas
não se deve esquecer que estes não passam ainda de ignorantes relativos, e que
aqueles que conhecem mais perfeitamente as leis desta ordem de coisas são os
mesmos que se desinteressam mais completamente por sua aplicação.
Não pretendemos que as indicações precedentes constituam,
sob a forma abreviada que lhes demos, uma explicação absolutamente completa dos
fenômenos do espiritismo; mas elas contém todo o necessário para fornecer esta
explicação, cuja possibilidade quisemos mostrar, antes de apresentar as
verdadeiras provas da inanidade das teorias espíritas. Tivemos que condensar
neste capítulo considerações cujo desenvolvimento demandaria muitos volumes; e
teríamos mesmo insistido menos nelas se as circunstâncias atuais não nos tivessem
mostrado a necessidade de opor algumas verdades à onda crescente das divagações
“neo-espiritualistas”. Estas coisas, de fato, não são daquelas sobre as quais
gostamos de nos deter, e estamos longe de experimentar, pelo “mundo
intermediário” ao qual elas estão
ligadas, a atração demonstrada pelos amantes dos “fenômenos”; assim evitamos
ir, neste domínio, além das considerações gerais e sintéticas, as únicas cuja
exposição não pode causar nenhum inconveniente. Temos a convicção de que estas
explicações, tais como estão, vão muito além do que tudo o que se pode
encontrar a respeito; mas advertimos que elas não são de nenhuma utilidade para
quem queira empreender experiências ou tente dedicar-se a quaisquer práticas,
coisas que, longe de serem favorecidas por pouco que seja, não serão nunca
desaconselhadas em demasia.
NOTAS
1. Le Spiritisme, pgs. 310-311.
2. Conferência feita à Aryan Theosophical Society de New York,
a 14 de dezembro de 1886, por C.H.A. Bjerregaard: Le Lotus, setembro de 1888.
3. Traité méthodique de Science occulte, pg. 373.
4. Marius Decrespe (Maurice
Després), Les Microbes de l’Astral.
5. Ibid.,
pg. 39.
6. Jules Lermina, Magie Pratique, pgs. 218-220.
7. Traité méthodique de Science occulte, pg. 347.
8.
Ibid., pg. 351.
9. Ibid., pgs. 373 e 909-910.
10. L’état de trouble ou l’evolution posthume de l’être humain, pgs. 12-13.
11. Ver a brochura de Papus
intitulada Lumière invisible, Médiunité
et Magie. – Não confundir este od
moderno com o ob hebraico.
12. Traité méthodique de Science occulte, pg. 874. – Segue-se um paralelo entre o
paciente e o médium que é inútil reproduzir aqui, pois não é nossa intenção
entrar nos detalhes dos fenômenos.
13. La Clef des Grands Mystères.
14. Traité méthodique de Science occulte, pg. 881.
15. Etude expèrimentale de qualques phénomènes de force psychique, por Donald Mac-Nab: Le Lotus, março de 1889,pg. 729.
16. I Samuel, XXVIII.
17. Artigo citado: Le Lotus, março de 1889, pg. 732. – A
última frase está inclusive sublinhada no texto.
18. Ibid.,
pg. 742.
19. Gênesis, V, 24.
20. Deuteronômio, XXXIV, 6.
21. II Reis, II, 11.
22. Não se trata por isso de um
“princípio vital” no sentido de certas teorias modernas, que são tão deformadas
com a do “corpo astral”; não sabemos em que medida o “mediador plástico” de
Cudworth pode escapar à mesma crítica.
23. Artigo citado de Donald
Mac-Nab: Le Lotus, março de 1889, pg.
742.
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